Samba Acadêmico Brasil Edição 09 ANO I Dezembro 2016 | Page 24

Antipática e isolacionista a “Carta do Samba”

diz Rossini Tavares de Lima - Jornal do Comércio 27 de janeiro de 1963 (transcrição)

A propósito da “Carta do Samba” aprovado no I Congresso Nacional do Samba realizado em dezembro de 1962, no rio de Janeiro, sob a presidência de Edison Carneiro, diretor da Campanha de Defesa do Folclore, o crítico, musicólogo e folclorista Rossini Tavares de Lima, membro do Conselho Nacional de Folclore, e da Academia Brasileira de Música, enviou-nos um interessante pronunciamento refutando afirmações, conclusões e sugestões da “Carta” aprovada no referido Congresso , que segundo o musicólogo paulista nada teve de nacional. Eis, integralmente, as considerações do professor Tavares de Lima:

A Campanha de Defesa do Folclore, do Ministério da Educação, acaba de publicar a “Carta do Samba”, aprovada no I Congresso Nacional do samba, que teve lugar no Rio de Janeiro, em fins do ano passado. Note-se que este certame chamado nacional nada teve de verdade de nacional, porque reuniu apenas gente do Estado da Guanabara, compositores e interpretes do samba popularesco carioca e representantes de escolas de samba. Para opinar sobre o assunto não foi convidado um único conhecido estudioso da nossa musica ou especialista em folclore musical, o que neste último caso se compreende, q que o congresso quando sabemos que o congresso objetivava apenas o samba popularesco, com o que naturalmente nada têm a ver os folcloristas. Daí estranharmos a participação da Campanha da Defesa do folclore no conclave, mas afinal acabamos também compreendendo por se tratar de um organismo do governo federal. Como este se achava interessado no problema, integrou no congresso a sua Campanha, que foi criada por sugestão dos folcloristas para cuidar do folclore brasileiro, que é outra coisa.

ESQUECERAM O POULARESCO

O pior de tudo, porém, foi a publicação que a própria Campanha fez do pseudo Congresso Nacional do Samba, apresentada como “Carta do Samba” por Edison Carneiro, diretor executivo da entidade estatal, folclorista que sempre se bateu pelo tratamento cientifico do folclore, o qual, talvez por imposição de suas funções, acabou presidindo o certame. Muito forçadamente, diz ele nessa apresentação: “Tivemos em mente assegurar ao samba (esqueceu-se de acrescentar, o popularesco) o direito de continuar como expressão legitima do sentimento de nossa gente”

DANÇA AFRICANA?

A “Carta” começa com uma afirmação que de modo algum poderemos aceitar: “o samba é um legado do negro de Angola trazido para o Brasil pela escravidão”. Isto, porque julgamos o samba uma expressão musical folclórica e popularesca brasileira e nada há que comprove que como samba, veja-se bem, seja um legado do nefro angolês. Os especialistas o situam entre as danças afro-brasileiras e jamais africanas: ele é consequência de aculturação realizada em terras do Brasil e nele intervém tanto o negro de Angola como outros elementos que contribuíram para a nossa formação cultural.

Em sequência, declara a “Carta” que o samba se encontra longe de se ter estabilizado em constâncias definitivas ou finais do samba? Quem sabe? Sabem-no, por acaso, do cateretê, do cururu, das congadas e de quantas outras formas folclóricas ou popularescas nossas? Trata-se, em nosso parecer, dessas afirmações inócuas, sem qualquer possibilidade de verificação, que só podem partir de sonhadores.

24 Revista Samba Acadêmico Desxzembro 2016