Samba Acadêmico Brasil Edição 09 ANO I Dezembro 2016 | Page 10

O Mesmo acontece com a orquestração. Sabemos que muitas vezes se contratava o orquestrador deliberadamente para dar tal ou qual efeito de conjunto no samba, como o que às vezes chegava a desfigura-lo completamente com gênero musical. Felizmente já há uma equipe de orquestradores que imprime aos seus trabalhos louvável sentido brasileiro. É de esperar que o número de tais orquestradores conscientes continue a crescer. Mas seria desejável que a Ordem dos Músicos interviesse, com a sua autoridade, para mitigar os efeitos desastrosos do poder econômico, na instrumentação e na orquestração do samba.

c)Com tais mediadas será talvez possível resguardar a autenticidade do samba, deixando larga margem deliberdade à criação artística através da estilização e da adaptação, quer de outros gêneros musicais do país, quer de músicas estrangeiras. Em todo o caso, recomenda-se que o estilizador e o adaptador se mantenham conscientemente próximos aos ritmos fundamentais do samba, preferindo no caso da adaptação, adaptar outros gêneros ao samba – e não o samba a outros gêneros.

d)Recomenda-se à Ordem dos Músicos e, no que lhe tange, à Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, que apressem os seu planos de documentação não apenas como arquivo catalogado e fichado para a consulta dos estudiosos, mas também divulgado em antologias e seletas na medida do possível, o material reunido para que a música do passado, em especial a música folclórica, de que tanto se nutre a musica popular, ajude a reforçar o caráter nacional da nossa música. Louva-se. No particular, o esforço individual de Almirante.

e)O samba produzido pelas escolas guarda comovedora fidelidade às suas origens. Que o compositor o cante sozinho em primeiro lugar; que a escola o aprenda para cantá-lo em coro; que os compositores submetam à aprovação geral, em concurso, as suas produções, - são hábitos que se não devem perder, num momento como o atual em que desejamos, preservando as características tradicionais do samba, permitir que se desenvolva em paz, imune às pressões da impaciência real ou fictícia da nossa hora. Recomenda-se que o samba de enredo seja simples e direto, fácil e inteligível, sem frases grandíloquas e bombásticas, e não pretenda resumir sem palavras, necessariamente poucas, o que a escola diz nas alegorias, nas fantasias, nas evoluções, em todo o seu desfile. Parece-nos que o samba comum, de produto individual do compositor de escola, ganharia em vitalidade e em poder de penetração, sem entretanto deixar de ser autentico e fiel a si mesmo, se, em vez de limitar-se a coro e segunda, se estendesse por mais alguns versos de solo, possibilitando ao compositor dar largas a sua inspiração, sem o colete de ferro de oito ou dez versos que se repetem e repetem sem cessar, abrindo assim novas avenidas à difusão do samba em todas as camadas sociais, quer trate os seus temas em tom apaixonado, languido ou lamentoso, quer os trate com graça, brejeirice e senso de oportunidade.

Ressalvada, mais uma vez, a liberdade de criação artística, a preservação das características do samba se impões como um dever realmente patriótico, já que redundará na defesa serena, inteligente e compreensiva, mas vigilante e enérgica, de um dos traços culturais que mais nos distinguem como nacionalidade.

Carta do Samba - I Congresso Nacional do Samba 1962

10 Revista Samba Acadêmico Desxzembro 2016