Revista Redescrições | Page 9

9 parte de uma visão empírica do homem – o homem é um ser que morre – para legitimar a explicação teológica. A morte é um dado empírico da condição humana de criatura contingente, de modo que o pecado adâmico é causa explicativa da condição humana depois da queda. A ligação entre morte e pecado original, delineada por Pascal e enfatizada por Mesnard, concede luz à nossa hipótese, pois sendo a morte consequência do pecado, o estado de natureza maculado é permeado pelo mal que é transmitido de maneira atávica a toda criatura. Por este motivo, temos um novo estado de natureza, no qual todo homem terá de enfrentar a morte como condenação do pecado. Portanto, podemos dizer que este primeiro sentido da morte é teológico: a morte é uma condenação do pecado de Adão, sendo transmitida a toda a natureza humana atavicamente. Mas quais seriam os meios pelos quais nos esquivaríamos da morte? Tentaremos responder essa questão analisando um tema capital do universo pascaliano: o divertissement. 2. A morte e o divertissement: fragmento 136 O tema do divertissement mostra-se presente em diversos comentadores.9 Longe de analisar minuciosamente este tema recorrente na tradição pascaliana, nosso propósito é relacioná-lo com a morte. O divertissement funcionaria como uma maneira de esquivar-se à condição humana finita e temporal, de modo que a morte, manifestação clara da contingência existencial, é recalcada como um mal que o homem não pode conhecer: “A morte é mais fácil de suportar sem pensar nela […].” 10 O homem entregase ao divertissement para desviar-se de sua condição de ser mortal e finito. A morte, como realidade incurável, poderia ser “vencida” ao ser esquecida. O homem prefere esquivar-se de sua condição entregando-se a um sem número de atividades: perigos, guerras, ações ousadas, desavenças, paixões, caça, dança, etc. “[…] toda a infelicidade 9 Citaremos dois: PONDÉ, Luiz Felipe. O Homem insuficiente. São Paulo: Edusp, 2001, p. 225253 e MESNARD, Jean. Les Pensées de Pascal. Paris: Ed. Sedes, 1993, p. 220-227. 10 PASCAL, Blaise. Pensées, Laf. 138, Bru. 166. Redescrições – Revista online do GT de Pragmatismo, ano VI, nº 1, 2015 [p. 6/18]