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parte de uma visão empírica do homem – o homem é um ser que morre – para legitimar
a explicação teológica. A morte é um dado empírico da condição humana de criatura
contingente, de modo que o pecado adâmico é causa explicativa da condição humana
depois da queda.
A ligação entre morte e pecado original, delineada por Pascal e enfatizada por
Mesnard, concede luz à nossa hipótese, pois sendo a morte consequência do pecado, o
estado de natureza maculado é permeado pelo mal que é transmitido de maneira atávica
a toda criatura. Por este motivo, temos um novo estado de natureza, no qual todo
homem terá de enfrentar a morte como condenação do pecado. Portanto, podemos dizer
que este primeiro sentido da morte é teológico: a morte é uma condenação do pecado de
Adão, sendo transmitida a toda a natureza humana atavicamente.
Mas quais seriam os meios pelos quais nos esquivaríamos da morte? Tentaremos
responder essa questão analisando um tema capital do universo pascaliano: o
divertissement.
2. A morte e o divertissement: fragmento 136
O tema do divertissement mostra-se presente em diversos comentadores.9 Longe
de analisar minuciosamente este tema recorrente na tradição pascaliana, nosso propósito
é relacioná-lo com a morte. O divertissement funcionaria como uma maneira de
esquivar-se à condição humana finita e temporal, de modo que a morte, manifestação
clara da contingência existencial, é recalcada como um mal que o homem não pode
conhecer: “A morte é mais fácil de suportar sem pensar nela […].” 10 O homem entregase ao divertissement para desviar-se de sua condição de ser mortal e finito. A morte,
como realidade incurável, poderia ser “vencida” ao ser esquecida. O homem prefere
esquivar-se de sua condição entregando-se a um sem número de atividades: perigos,
guerras, ações ousadas, desavenças, paixões, caça, dança, etc. “[…] toda a infelicidade
9 Citaremos dois: PONDÉ, Luiz Felipe. O Homem insuficiente. São Paulo: Edusp, 2001, p. 225253 e MESNARD, Jean. Les Pensées de Pascal. Paris: Ed. Sedes, 1993, p. 220-227.
10 PASCAL, Blaise. Pensées, Laf. 138, Bru. 166.
Redescrições – Revista online do GT de Pragmatismo, ano VI, nº 1, 2015 [p. 6/18]