Revista Redescrições | Page 58

58 O fato de a obra relegar essas questões para o domínio do absurdo não as anula. O valor mais elevado desta obra consiste, então, em apontar constantemente para aquilo que não se pode dizer. Essas são as questões que mais interessam ao filósofo austríaco. Diante do exposto até aqui, observamos que no Tractatus a filosofia, bem como “a região em que a ética, e a estética, se localizam é um terreno de impotência para a lógica: aí os seus princípios não se adequam” (CRESPO, 2011, p. 91), porque pretendem falar de um plano de realidades em relação ao qual a linguagem experimenta um fracasso permanente. Desse modo, o livro encerra uma série de equívocos que a tradição filosófica transportou ao longo de sua história. Em última análise, a filosofia, na concepção tractariana, só é possível se renunciar ao seu impulso de conceitualização e se render à contemplação, ao olhar. O desfecho dessa visão de mundo acentua a dicotomia entre o mostrar e o dizer, e a precedência do silêncio relativamente à esfera das coisas que mais interessa solucionar na vida humana. Diante desse cenário, a estética, no Tractatus, pode ser compreendida como uma forma específica de olhar, a qual transforma o mundo, a vida e os objetos em verdadeiras obras de arte. Entretanto, nosso objetivo nesta pesquisa consiste em analisar o novo enfoque que o filósofo vienense atribui à temática da estética a partir dos escritos pós-Tractatus, como por exemplo, Cultura e Valor e Investigações Filosóficas, onde a estética aparece numa relação de simetria com a atividade de ver aspectos. Neste segundo momento da análise da estética no pensamento de Wittgenstein, destaca-se o abandono da preocupação tractariana com a descrição lógica das condições de representação, o que não elimina a imagem enquanto representação daquilo que acontece, mas significa que as imagens podem ter diferentes valores expressivos, podendo ser vistas de diferentes modos, dependendo daquele que olha para elas: O fenô meno algo estranho de ver desta ou daquela maneira, aparece primeiramente quando alguém reconhece que a imagem ótica num sentido p ermanece idêntica, enquanto outra coisa, a que se poderia chamar „concepção‟, pode modificar-se. (WITTGENSTEIN, 2007, p. 105) A experiência artística pode ser caracterizada por uma atividade de ver aspectos porque não está sujeita à construção, tampouco à representação lógica dos objetos, mas exclusivamente à transformação do modo de ver 2 . Nuno Crespo destaca a importância que a ideia de ver aspectos desempenhará na análise estética dos últimos escritos de Wittgenstein: 2 É possível recordar do conhecido exemplo, ut ilizado na parte II das Investigações, do desenho da cabeça pato-lebre, cujos traços ora podem ser vistos e compreendidos como um coelho, ora se parecem com u m Redescrições - Revista online do GT de Prag matis mo, ano VI, nº 1, 2015 [p. 56/69]