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O fato de a obra relegar essas questões para o domínio do absurdo não as anula. O valor mais
elevado desta obra consiste, então, em apontar constantemente para aquilo que não se pode
dizer. Essas são as questões que mais interessam ao filósofo austríaco.
Diante do exposto até aqui, observamos que no Tractatus a filosofia, bem como “a
região em que a ética, e a estética, se localizam é um terreno de impotência para a lógica: aí os
seus princípios não se adequam” (CRESPO, 2011, p. 91), porque pretendem falar de um plano
de realidades em relação ao qual a linguagem experimenta um fracasso permanente. Desse
modo, o livro encerra uma série de equívocos que a tradição filosófica transportou ao longo
de sua história. Em última análise, a filosofia, na concepção tractariana, só é possível se
renunciar ao seu impulso de conceitualização e se render à contemplação, ao olhar. O
desfecho dessa visão de mundo acentua a dicotomia entre o mostrar e o dizer, e a precedência
do silêncio relativamente à esfera das coisas que mais interessa solucionar na vida humana.
Diante desse cenário, a estética, no Tractatus, pode ser compreendida como uma forma
específica de olhar, a qual transforma o mundo, a vida e os objetos em verdadeiras obras de
arte. Entretanto, nosso objetivo nesta pesquisa consiste em analisar o novo enfoque que o
filósofo vienense atribui à temática da estética a partir dos escritos pós-Tractatus, como por
exemplo, Cultura e Valor e Investigações Filosóficas, onde a estética aparece numa relação
de simetria com a atividade de ver aspectos.
Neste segundo momento da análise da estética no pensamento de Wittgenstein,
destaca-se o abandono da preocupação tractariana com a descrição lógica das condições de
representação, o que não elimina a imagem enquanto representação daquilo que acontece, mas
significa que as imagens podem ter diferentes valores expressivos, podendo ser vistas de
diferentes modos, dependendo daquele que olha para elas:
O fenô meno algo estranho de ver desta ou daquela maneira, aparece primeiramente
quando alguém reconhece que a imagem ótica num sentido p ermanece idêntica,
enquanto outra coisa, a que se poderia chamar „concepção‟, pode modificar-se.
(WITTGENSTEIN, 2007, p. 105)
A experiência artística pode ser caracterizada por uma atividade de ver aspectos
porque não está sujeita à construção, tampouco à representação lógica dos objetos, mas
exclusivamente à transformação do modo de ver 2 . Nuno Crespo destaca a importância que a
ideia de ver aspectos desempenhará na análise estética dos últimos escritos de Wittgenstein:
2
É possível recordar do conhecido exemplo, ut ilizado na parte II das Investigações, do desenho da
cabeça pato-lebre, cujos traços ora podem ser vistos e compreendidos como um coelho, ora se parecem com u m
Redescrições - Revista online do GT de Prag matis mo, ano VI, nº 1, 2015 [p. 56/69]