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Quando se trata do pensamento chinês, na academia chinesa contemporânea, há
basicamente duas correntes: (1) a primeira chama tudo aquilo que os chineses
escreveram no passado de filosofia (zhexue), (2) a segunda vê tudo o que os chineses
escreveram no passado como história intelectual (sixiang shi), e não como filosofia. A
primeira corrente é, na minha opinião, conto pra boi dormir. Geralmente são professores
chineses com formação em filosofia ocidental mas sem capacidade para filosofar e que
começam a aplicar o jargão da filosofia (jargão já traduzido para o chinês!) para tentar
fazer com que os textos chineses sejam filosoficamente aceitáveis. A segunda vertente é
mais pé no chão e explica o pensamento chinês em termos sociológicos e históricos,
discutindo o background que sustenta os textos. Historiadores do pensamento chinês
tendem a ver nos textos uma janela para a sociedade da época, não necessariamente uma
ferramenta para agendas pessoais e contemporâneas. Em âmbito mais amplo, há
scholars americanos e europeus (e também chineses e japoneses) que adotam uma visão
mais rica em nuances, entendendo interpretar determinados textos chineses como
“filosofia chinesa” em seus próprios termos. Mas este é um exercício intelectual muito
difícil para o qual não há pessoas qualificadas no Brasil ou em qualquer outro país de
língua portuguesa. Para realizar um bom trabalho de pesquisa comparativa entre o
pensamento chinês e o grego, o scholar precisa ter o mesmo domínio do chinês clássico
e do grego antigo. Não conheço ninguém no meu círculo pessoal preparado para tal,
embora conheça o trabalho de uns poucos scholars capazes de tal empreitada quase
impossível de ser realizada por sinólogos ou classicistas em separado.
Mas não importa o approach adotado, o pensamento chinês é só pra quem lê em
chinês. Tem coisas mirabolantes e fantásticas, como Zhuangzi, mas é preciso fazer um
doutorado em sinologia ou disciplinas relativas para se aventurar a ler qualquer coisa
em chinês antigo, clássico, medieval ou mesmo moderno. A tarefa pode ser
recompensante, tanto em termos intelectuais quanto em termos existenciais,
principalmente por existir uma certa continuidade entre o modo de vida descrito em
alguns textos e certas comunidades, especialmente as religiosas, como é o caso do
daoísmo, cujos textos se tornam mais interpretáveis se a pessoa tiver convivido com
uma comunidade religiosa onde os textos fazem sentido como modo de vida e como
uma coisa que se usa, experimenta, não apenas como “textos”. Na verdade, grande
Redescrições – Revista online do GT de Pragmatismo, ano VI, nº 1, 2015 [p. 27/29]