Revista Redescrições | Page 28

28 Quando se trata do pensamento chinês, na academia chinesa contemporânea, há basicamente duas correntes: (1) a primeira chama tudo aquilo que os chineses escreveram no passado de filosofia (zhexue), (2) a segunda vê tudo o que os chineses escreveram no passado como história intelectual (sixiang shi), e não como filosofia. A primeira corrente é, na minha opinião, conto pra boi dormir. Geralmente são professores chineses com formação em filosofia ocidental mas sem capacidade para filosofar e que começam a aplicar o jargão da filosofia (jargão já traduzido para o chinês!) para tentar fazer com que os textos chineses sejam filosoficamente aceitáveis. A segunda vertente é mais pé no chão e explica o pensamento chinês em termos sociológicos e históricos, discutindo o background que sustenta os textos. Historiadores do pensamento chinês tendem a ver nos textos uma janela para a sociedade da época, não necessariamente uma ferramenta para agendas pessoais e contemporâneas. Em âmbito mais amplo, há scholars americanos e europeus (e também chineses e japoneses) que adotam uma visão mais rica em nuances, entendendo interpretar determinados textos chineses como “filosofia chinesa” em seus próprios termos. Mas este é um exercício intelectual muito difícil para o qual não há pessoas qualificadas no Brasil ou em qualquer outro país de língua portuguesa. Para realizar um bom trabalho de pesquisa comparativa entre o pensamento chinês e o grego, o scholar precisa ter o mesmo domínio do chinês clássico e do grego antigo. Não conheço ninguém no meu círculo pessoal preparado para tal, embora conheça o trabalho de uns poucos scholars capazes de tal empreitada quase impossível de ser realizada por sinólogos ou classicistas em separado. Mas não importa o approach adotado, o pensamento chinês é só pra quem lê em chinês. Tem coisas mirabolantes e fantásticas, como Zhuangzi, mas é preciso fazer um doutorado em sinologia ou disciplinas relativas para se aventurar a ler qualquer coisa em chinês antigo, clássico, medieval ou mesmo moderno. A tarefa pode ser recompensante, tanto em termos intelectuais quanto em termos existenciais, principalmente por existir uma certa continuidade entre o modo de vida descrito em alguns textos e certas comunidades, especialmente as religiosas, como é o caso do daoísmo, cujos textos se tornam mais interpretáveis se a pessoa tiver convivido com uma comunidade religiosa onde os textos fazem sentido como modo de vida e como uma coisa que se usa, experimenta, não apenas como “textos”. Na verdade, grande Redescrições – Revista online do GT de Pragmatismo, ano VI, nº 1, 2015 [p. 27/29]