22
violência continuada na tradição, mas ao mesmo tempo há uma reação que mostra o
lugar de fala e resistência. Elas experimentam também as estratégias de luta que
ressignificam elementos da própria cultura.
Com esse discernimento é proposto a greve de sexo que é usada como um
instrumento para conseguir água para a comunidade, Velho fusil utiliza a música
fazendo primeiro um reconhecimento das qualidades das mulheres na cultura e depois
ela canta fazendo uma denúncia da situação subalterna em que estão mergulhadas.
Quando lhe solicitam ajuda para que a greve não seja interrompida ela sugere que a
mulher passe alho e pimenta nos cabelos e pescoço, que ponha uma calça comprida
difícil de ser aberta e se isso não resolver ela diz: “me chame que vou dormir com vocês
na mesma cama e quero ver se ele vai me incomodar”. As mulheres usam o véu que é
sinônimo de submissão para burlar a armadilha dos homens que tentam impedi- las de
participar da festa no centro da cidade. Elas se preparam com vestes típicas, entram no
espaço que os homens estão dançando e com a mesma estratégia de dança e música
anunciam que estão em greve de sexo e o porquê da greve.
Outros elementos são usados no decorrer da trama, mas finalmente as mulheres
vencem a batalha e conseguem a água para a Aldeia. Na última cena elas dançam
fazendo festa. Uma mulher canta: “A fonte divina das mulheres não é a água. A fonte
das mulheres é o amor”.
A narrativa da fonte das mulheres coaduna com a proposta de redescrição de
Rorty no sentido de que o filósofo propõe como alternativa estabelecer o pensar como
um modo particular de viver, e viver é estar atento ao Outro. É um exercício constante
de colocar-se em seu lugar e imaginar o que poderia torná- lo mais livre ou mais
submisso, mais feliz ou mais miserável, para, então, decidir o que é humanamente útil,
e, conseqüentemente, moralmente verdadeiro e que nos ajude a ser melhores.
A história contada no filme me permite ter vários olhares. E as imagens
registradas nesse roteiro da violência contra a mulher e a reação coletiva que elas
encontram para enfrentar e superar sua condição de subalternas condiz perfeitamente
com a noção do ironista liberal que inclui entre seus desejos a esperança de que o
sofrimento diminua e a humilhação dos humanos por outros seres humanos cesse
(RORTY, 2007).
Esse argumento de Rorty me instiga o desejo de não ver e ter mais notícias de
violências contra a mulher na esfera global. Todos os dias nos deparamos com atos
Redescrições - Revista online do GT de Prag matis mo, ano VI, nº 1, 2015 [p. 19/26]