Revista Redescrições | Page 15

15 Pascal avalia matematicamente os ganhos e a perdas quando apostamos nossa vida finita para possivelmente ganharmos uma vida infinita. Serieis preciso jogar (pois estais na necessidade de jogar) e seríeis imprudentes, quando sois obrigados a jogar, de não arriscar vossa vida para ganhar três em um jogo em que há igual possibilidade de perda e de ganho, mas há uma eternidade de vida e de felicidade.33 Em um jogo em que somos obrigados a apostar, seria imprudente da nossa parte não apostar uma única vida para possivelmente ganharmos três. Se ganharmos, ganhamos três vidas, se perdermos, perderemos a única vida que inevitavelmente acabaria com a morte. Por este motivo, homem sensato apostaria sua vida para ganhar três, já que, caso perca a aposta, não perderá nada que já não fosse dissipar-se com a morte. Porém, se os números da aposta fossem outros, a imprudência em não apostar seria ainda maior: entre a vida que acabará necessariamente com a morte e a possibilidade de uma vida infinita, é imensamente vantajoso apostar na possibilidade de uma vida infinita. Se perdermos, não perderemos nada além do que já iríamos perder com a morte, se ganharmos, viveremos eternamente. Eis a lógica da aposta pascaliana: quando se tem duas ou mais vidas a ganhar é imprudente não apostar uma única vida finita e limitada, mas quando temos uma vida infinita a ganhar, a vantagem é incomensurável. Apostar uma vida única, recebendo em troca uma existência eterna e repleta de felicidade, é apostar o finito pela possibilidade do infinito. Toda vida finita torna-se um nada diante do infinito, assim como um ponto torna-se um nada diante de uma reta infinita. Este raciocínio impulsiona o homem a apostar favoravelmente no possível infinito a ganhar. É neste sentido que o autor justifica a aposta na existência de Deus: tomar este partido é apostar uma vida mortal a fim de ganhar a eternidade. Não apostar na existência de Deus é permanecer com aquilo que já iríamos perder. Foi a primeira vez que um pensador entrecruza a filosofia e o cálculo das probabilidades. 34 Neste fragmento a morte funciona como um divisor de águas. A vida humana é marcada pela 33 Ibid., Laf. 418, Bru. 233. 34 Para uma análise do tema da aposta em Pascal ver Lucien GOLDMANN, Lucien. El Hombre y lo Absoluto, p. 373-398; THIROUIN, Laurent. Le hasard et les règles, le modele du jeu dans la pensée de Pascal, p. 130-147; MESNARD, Jean. Les Pensées de Pascal, p. 323-327. Redescrições – Revista online do GT de Pragmatismo, ano VI, nº 1, 2015 [p. 6/18]