Revista Redescrições | Page 85

85 Em certo momento do livro de Evans, onde se busca por quais meios interlocutores se exprimem com um referente em vista e visando a comunicação, deparamo-nos com uma noção curiosa e de nome saliência. Saliência do objeto, saliência objetal. É um parágrafo tranqüilo de Evans: A saliência pode ser trazida a termo pelo próprio falante, como quando ele faz um gesto de apontar para acompanhar a proferência de uma expressão demonstrativa, ou tornando o objeto saliente de uma outra maneira, por exemplo, mexendo ele, oscilando-o, ou fazendo com que um feixe da luz de um holofote caia sobre ele. Alternativamente, um falante pode explorar umas saliências extremas e elevadas que o objeto já tem de qualquer maneira (sem que seja preciso trazê-la a termo); por exemplo, um falante pode dizer “Ele teve o bastante” [“He's had enough”], quando numa linha de soldados um deles se torna saliente ao desfalecer. Seja qual for o caso, se um objeto é saliente, assim o será apenas àqueles que têm um certo tipo de informação do objeto, ... logo, apenas àqueles que estão em posição de pensar o objeto numa certa maneira invocatória de informação24. A partir da idéia de saliência, perguntamos então: o que se salienta, nas Variedades, do objeto de estudo que é a loucura? Essa pergunta, para sabermos em que posição se encontra esta filosofia relativamente ao campo expressivo e ao material de análise e tratamento das psicoses, e que informações ela própria confere à saliência que escolheu enfrentar em suas preocupações com a loucura. Falamos assim porque a loucura se salienta em Evans por meio das ocorrências (não poucas, o que mostra a insistência do tema) da alucinação. Não nos será vantajoso aqui elucubrar a respeito de que tipo de alucinação Evans se refere, mesmo porque em nenhum momento ele especifica o fenômeno alucinatório que lhe instiga, sendo usado ao longo do livro tão somente o termo hallucination, que para todos os efeitos é vago demais. Ao invés disso, por precaução, proferimos nosso interesse aqui por alucinações que entram no complexo sistema de significações de uma psicose (embora também noutros casos, como quando se alucina por efeito da experimentação de drogas, a alucinação nunca seja superficial). Tomemos uma das ocorrências da alucinação em Evans: “Se considerarmos um sujeito que, alucinando, aponta pro espaço vazio e diz, “Ele está vindo me pegar”, eu espero que todo mundo concorde que ele falhou em dizer alguma coisa (pois ele claramente falhou em tornar manifesto o tipo de intenção que ele deveria ter tornado manifesto de modo a dizer alguma coisa)”25. Parece tratar-se de uma alucinação de tipo removido, e os terapeutas, que tentam curar a primeira espécie desse tipo de preocupação.” 24 (EVANS: 1982, p. 312-313). 25 (EVANS: 1982, p. 338). Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano V, nº 3, 2014 [p. 77 a 89]