Revista Redescrições | Page 83

83 sistema harmônico de comunicação entre uma comunidade ideal de pessoas. Mesmo que exista a possibilidade de uma alternância na identidade do sujeito18, as funções que ele cumpre como fundador da unidade do objeto não são discutidas para além da pretensão de que o mundo é tal que os juízos de um sujeito são bem sucedidos ao emitir informações sobre o mundo, contanto que o conteúdo desses juízos, as próprias informações tenham sido devidamente referidas por qualquer pessoa competente, para então serem conscientemente representados e capturados como elementos identificáveis no sujeito19. Hilary Putnam, numa feroz resenha20 ao livro que nos concerne (onde ele não apenas censura o uso excessivo de operações da lógica-matemática ao longo da obra, mas a tecnicalidade do próprio teor do texto de Evans21), diz o seguinte: “o que dá substância à noção de filosofia como uma disciplina técnica, para Evans, é sua impressionante confiança de que está descobrindo verdades conceituais indisputáveis e não apenas falando de um jeito que ele acha instigante”22. Neste trecho, Putnam parece encontrar também a subjetividade do próprio autor imiscuída no sentido que este dá à filosofia, e mais importante ainda, o autor enquanto subjetividade produtora de enunciados, num movimento de adequação do que ele enuncia segundo a lógicamatemática e o que ele mesmo pretende fundar enquanto objeto de estudo filosófico. Diríamos, então, com outras palavras, que em Evans (mas talvez se pudesse abarcar muitos autores da filosofia analítica neste comentário) ocorre um hábito de se propôr enunciados codificáveis pelo sistema formal de uma lógica-matemática que é, 18 Como exemplo, no seguinte argumento (EVANS: 1982, p. 209): “a Idéia que alguém tem de si mesmo deve também compreender, de uma ponta a outra e acima do vínculo-de-informação [informationlink] e do vínculo-de-ação [action-link], um conhecimento daquilo que, para uma identidade da forma ‘I = δt’, deveria ser verdade, onde δt é uma identificação fundamental de uma pessoa: uma identificação de uma pessoa que – diferentemente da identificação-do-‘eu’ [‘I’-identification] – é de um tipo que poderia estar disponível para um outro alguém” (nosso grifo). 19 “Deveria eu argüir que o caso de nosso conhecimento de nossas próprias ações [...] similarmente nos compele a uma identidade entre o si mesmo [self] e a coisa física: o agente – o sujeito de desejos, pensamentos e intenções – é identificado com o objeto que move e muda no mundo” (EVANS: 1982, p. 224). 20 “A Technical Philosopher”, in London Review of Books, vol. 5, nº 9, 19 maio 1983. Encontrado em: http://www.lrb.co.uk/v05/n09/hilary-putnam/a-technical-philosopher. 21 “Uma coisa que não dá pra ficar sabendo por uma resenha é a implacável tecnicalidade do livro. Ele não pode ser usado num curso de graduação em filosofia da linguagem sem umas tantas disciplinas preliminares sobre Davidson, sobre Kripke etc. (pra não falar num curso preliminar de lógicamatemática). É um livro endereçado aos fiéis especialistas de Evans, e apenas a eles. Filosofia, como Evans a visualiza, é tão esotérica quanto mecânica quântica.” No sítio virtual, em seguida à resenha, encontra-se uma resposta do editor de Varieties of Reference (John McDowell) à resenha de Putnam, e neste ponto McDowell parece prejulgar que uma “audiência geral” seja capaz de entender as tecnicalidades de Evans, estando estas, é claro, resenhadas por alguém cuja vida é dedicada ao estudo da filosofia analítica (Hilary Putnam), o que prova a conveniência do termo “esotérico”, usado por Putnam. 22 Putnam (1983). Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano V, nº 3, 2014 [p. 77 a 89]