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pensamentos-do-‘eu’ [‘I ’-thoughts] são pensamentos em que um sujeito de
pensamento e ação está pensando sobre si mesmo – i.e. sobre um sujeito de
pensamento e ação. É verdade que eu manifesto um pensamento conscientede-si [self-conscious], assim como um pensamento-do-‘aqui’, em ação; mas
eu o manifesto, não ao saber em que objeto agir, mas agindo. (Eu não movo a
mim mesmo; eu mesmo me movo). Igualmente, eu não meramente tenho
conhecimento de mim, como poderia ter conhecimento de um lugar: eu tenho
conhecimento de mim como alguém que tem conhecimento e que faz juízos,
inclusive os juízos que faço sobre mim11.
O que temos aqui? Não seria um sujeito cujo acesso ao mundo se dá através de
“acontecimentos já imbuídos com (aparente) significação objetiva”, pois já implicados,
enquanto material judicativo, no sistema de habilidades específicas do sujeito,
habilidades de conceitualização? E um sujeito centralizado num eu auto-referente a
respeito de seu corpo, ao passo que os objetos do entorno são “encompassados” por
expansão a partir deste eu (e seus analógicos aqui e agora)? É como se o início da
Dialética Transcendental12 estivesse sendo parafraseado, com a diferença que as
representações fenomênicas, todo o sistema representacional que engendra, em Kant, as
faculdades do espírito, desaparecem quase13 que por completo da teoria de Evans, dando
lugar a um sistema relacional de informações, que estabelece as condições epistêmicas
para a experiência de mundo do sujeito, e ao mesmo tempo capacitando-o à proferência
de juízos adequados tanto ao contexto referencial como ao conjunto de informações
harmonicamente acordadas por uma comunidade de sujeitos comprometidos14 a uma
identidade proposicional da realidade. Um outro trecho das Variedades postula tal
sistema junto às capacidades subjetivas envolvidas, ao definir a noção geral de pessoa:
“As pessoas são, em suma e dentre outras coisas, coletoras, transmissoras e
armazenadoras de informação. Esses chavões localizam percepção, comunicação e
memória num sistema – o sistema informacional – que constitui o substrato de nossas
vidas cognitivas.”15 Vemos, aliás, que a definição de pessoa, da maneira como se
exprime aqui, é análoga, proporcionalmente, ao sujeito.
A distinção kantiana entre a intuição e o conceito, entre a estética transcendental
e o entendimento, é retomada por Evans numa visão, porém, mais adaptada aos
paradigmas lingüísticos que imperam hoje em dia, onde as noções de informação e
11
(EVANS: 1982, p. 207).
Kant, Crítica da razão pura, B350-351.
13
O termo “concebível”, no primeiro dos trechos que consideramos, faz do mundo um mundo
para o sujeito, uma representação do sujeito, uma categoria lógica de uso judicativo.
14
Vide o primeiro pressuposto, a idéia de comprometimento na rejeição às línguas vernaculares.
15
(EVANS: 1982, p. 122).
12
Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano V, nº 3, 2014 [p. 77 a 89]