Revista Redescrições | Page 8

8 Uma das principais características da filosofia de Richard Rorty é a sua defesa da prática da redescrição como forma de aquisição de novos vocabulários e, mais interessante, sua exposição do que podemos chamar de “tarefa dos intelectuais” em elaborar novas metáforas, nas quais novas crenças e desejos serão constituídas e manifestadas2. Quem estuda Rorty sabe que sua defesa dessa prática se opõe a uma outra prática, a da exposição (ou revelação) científica, que busca por todos os meios alcançar o que se entende como sendo o “real externo”3, isso através de uma argumentação lógica ou racional4. Ao tratar da questão da ciência, cabe aqui lembrarmos que Rorty a contrasta com o papel da literatura. A ciência teria a ingrata tarefa de revelar, ou ao menos tentar revelar, os contornos da propalada realidade externa. Já a literatura possuiria um outro papel, o de redescrever, originando o que poderia ser chamado de conhecimento conversacionista. A filosofia, diante dessa constatação, não deve procurar se engajar em certezas ou seguranças, como faz a ciência, ou assumir a tarefa de ser uma teoria do conhecimento. O pragmatismo rortyano é, ao fim, deweyano, isto é, a filosofia não é uma forma de conhecimento, mas “uma esperança social reduzida a um programa de ação, uma profecia para o futuro”5. Rorty defende uma mudança de paradigma, que Habermas chamou de “giro pragmático” (pragmatic turn), ou seja, a substituição de “um modelo representacionista do conhecimento” por “um modelo de comunicação”, que estabeleceria entendimentos (Verständigungen) mútuos intersubjetivos bemsucedidos, no lugar de uma objetividade quimérica da experiência (cf. HABERMAS, 2000, p. 52). Neste ponto caberia a questão: Como esse “giro pragmático” rortyano 2 Cf. RORTY, 1991b, pp. 12 e ss.; cf. tb. RORTY, 2007a, p. 144. 3 Por certo, este texto não pretende esgotar o tema referente à questão do representacionalismo epistemológico, apresentado por Rorty quando este trata de questões advindas do platonismo, cartesianismo, kantismo ou da filosofia do século XX. Ver: RORTY, 1980, pp. 155 e ss. Todavia, não deixarei de tangenciar a questão epistemológica ao tratar do Direito, uma vez que é central à noção de filosofia como espelho da natureza. Acima de tudo, o que deve ser enfatizado é a posição de Rorty, no sentido de que o conhecimento não é uma questão de se tentar espelhar a natureza, mas antes uma questão de prática social ou conversação (RORTY, 1980, pp. 170-171; cf. RORTY, 2007a, p. 165). O chamado “behavorismo epistemológico” rortyano funda-se na argumentação de que nós somente podemos entender o que é conhecimento, se nós entendermos a importância da justificação social de uma crença. 4 Algo que outros filósofos pragmatistas, como William James e John Dewey, fizeram. Cf. RORTY, 2007b, p. 916. 5 Dewey em “Philosophy and Democracy”, 1982, p. 43, apud RORTY, 2007b, p. 917. Redescrições – Revista online do GT de Pragmatismo, ano V, nº 3, 2014 [p. 7 a 48]