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Nos dias atuais, embora o positivismo lógico não esteja mais em voga, grande
parte dos filósofos analíticos se coaduna à ideia de que a linguagem cognitivamente
significativa deve seguir o modelo de uma linguagem física17. Assim, por exemplo, é
muito comum exigir-se na abordagem relativa a “termos psicológicos da linguagem
ordinária”, (2008a, p. 44-45) que esses se refiram, necessariamente, a estados cerebrais.
Assim, a tristeza, como exemplo de um “termo psicológico da linguagem ordinária”,
deveria referir-se a um estado cerebral que lhe corresponda. Esse estado cerebral seria,
destarte, a causa do estado psicológico expressa pelo termo em questão.
Diante de tal condicionamento relativo à linguagem cognitivamente relevante, é
de se surpreender que possamos fazer qualquer tentativa de prestar aos valores um
status de significativos. Para Putnam, a linguagem que o positivismo adota se baseia em
uma adoção da noção de fato que é bastante limitada e, por isso, é incapaz de perceber
que a distinção entre fato e valor não é uma dicotomia.
A dicotomia fato/valor dos positivistas lógicos foi defendida com base em
um quadro cientificista estreito do que poderia ser um fato, assim como o
ancestral humeano dessa distinção foi defendido com base em uma psicologia
empirista estreita das ideias e das impressões (PUTNAM, 2008a, p. 45).
Ante o acima exposto, podemos colocar a crítica ao positivismo lógico e
antecipar o colapso da dicotomia fato e valor nos seguintes termos: (1) a linguagem
científica, preconizada pelos positivistas lógicos, é pobre, e isso deixa a maior parte do
universo discursivo fora do conjunto de termos com significado. E, segundo a crítica de
Putnam, pressupostos centrais do próprio positivismo lógico não podem submeter-se
com sucesso à concepção criteriosa de racionalidade que lhe é própria, e que exige
critérios públicos de verificabilidade que estão postos em sua compreensão da
linguagem científica (2) certos termos descritivos do nosso vocabulário avaliativo
implicam uma consideração aos fatos, ou seja, há, na concepção de Putnam, termos
tradicionalmente avaliativos que são indesvencilháveis de um componente factual. Uma
quantidade importante de termos avaliativos não pode ser fatorada em um componente
puramente avaliativo e outro puramente descritivo, de modo que, ainda que
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Essa postura tem sido a habitual, expressando um naturalismo em filosofia, tese segundo a
qual os termos com significado podem ser expressos em linguagem científica e, em última instância, em
linguagem física. Repercussões a esse respeito podem ser visualizadas na interseção entre neurociência e
filosofia, por exemplo.
Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano V, nº 3, 2014 [p. 49 a 76]