Revista Redescrições | Page 60

60 Nos dias atuais, embora o positivismo lógico não esteja mais em voga, grande parte dos filósofos analíticos se coaduna à ideia de que a linguagem cognitivamente significativa deve seguir o modelo de uma linguagem física17. Assim, por exemplo, é muito comum exigir-se na abordagem relativa a “termos psicológicos da linguagem ordinária”, (2008a, p. 44-45) que esses se refiram, necessariamente, a estados cerebrais. Assim, a tristeza, como exemplo de um “termo psicológico da linguagem ordinária”, deveria referir-se a um estado cerebral que lhe corresponda. Esse estado cerebral seria, destarte, a causa do estado psicológico expressa pelo termo em questão. Diante de tal condicionamento relativo à linguagem cognitivamente relevante, é de se surpreender que possamos fazer qualquer tentativa de prestar aos valores um status de significativos. Para Putnam, a linguagem que o positivismo adota se baseia em uma adoção da noção de fato que é bastante limitada e, por isso, é incapaz de perceber que a distinção entre fato e valor não é uma dicotomia. A dicotomia fato/valor dos positivistas lógicos foi defendida com base em um quadro cientificista estreito do que poderia ser um fato, assim como o ancestral humeano dessa distinção foi defendido com base em uma psicologia empirista estreita das ideias e das impressões (PUTNAM, 2008a, p. 45). Ante o acima exposto, podemos colocar a crítica ao positivismo lógico e antecipar o colapso da dicotomia fato e valor nos seguintes termos: (1) a linguagem científica, preconizada pelos positivistas lógicos, é pobre, e isso deixa a maior parte do universo discursivo fora do conjunto de termos com significado. E, segundo a crítica de Putnam, pressupostos centrais do próprio positivismo lógico não podem submeter-se com sucesso à concepção criteriosa de racionalidade que lhe é própria, e que exige critérios públicos de verificabilidade que estão postos em sua compreensão da linguagem científica (2) certos termos descritivos do nosso vocabulário avaliativo implicam uma consideração aos fatos, ou seja, há, na concepção de Putnam, termos tradicionalmente avaliativos que são indesvencilháveis de um componente factual. Uma quantidade importante de termos avaliativos não pode ser fatorada em um componente puramente avaliativo e outro puramente descritivo, de modo que, ainda que 17 Essa postura tem sido a habitual, expressando um naturalismo em filosofia, tese segundo a qual os termos com significado podem ser expressos em linguagem científica e, em última instância, em linguagem física. Repercussões a esse respeito podem ser visualizadas na interseção entre neurociência e filosofia, por exemplo. Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano V, nº 3, 2014 [p. 49 a 76]