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inferida de uma questão de fato, o que impossibilitaria de se ter um juízo moral
ancorado em um fato da realidade.
Mas o fundamental da Lei de Hume, para Putnam é outro. Para o filósofo, o
tema da inderivabilidade não demonstrável exposta na Lei de Hume não tem seu cerne
simplesmente naquilo que diz respeito à questão inferencial, donde não poderíamos,
claramente, apresentar como teorema a passagem lógica do ‘é’ para o ‘deve’. Segundo
ele:
Se a afirmação fosse simplesmente acerca da forma de certas inferências, ela
proibiria qualquer um de inferir “deve-se fazer x em tais e tais circunstâncias”
a partir de “em tais e tais circunstâncias, é bom fazer x e, nessas
circunstâncias, é mau deixar de fazer x”. Por certo, muitos filósofos
responderiam a esse exemplo dizendo que ele não entra em conflito com o
dictum de Hume, porque é um caso de inferência de um “deve” a partir de
outro “deve”. Mas esse é o meu ponto. A habilidade deles de reconhecer
enunciados tais como “em tais e tais circunstâncias, é bom fazer x e, nessas
circunstâncias, é mau deixar de fazer x” como um caso de “deve” não resulta
de alguma característica da forma do enunciado mas, antes, de um
entendimento do seu conteúdo (PUTNAM, 2008a, pp. 28-29)
Esta consideração é reveladora de um aspecto metafísico componente da
percepção do problema do ponto de vista humeano, pois toma como motor da Lei uma
constatação dos enunciados, que incluem o ‘deve’, não do ponto de vista lógico,
demonstrando, assim, que a questão é muito mais profunda do que uma simples
consideração formal. Essa inclusão da centralidade do conteúdo, ao invés do privilégio
do modo inferencial, que objetaria que a passagem do ‘é’ para o ‘deve’ acarreta a
invalidade do procedimento lógico, nos conduz a uma perspectivação do problema que
é, quando colocado assim, dimensionado de outra maneira. Destarte, a centralidade do
conteúdo exigirá que tenhamos em consideração aquilo faz, para Hume, que um
enunciado seja um enunciado de ‘é’, pois assim entenderemos o que ele quer dizer com
a noção de ‘fato’.
A observação que Putnam faz nos lembra que Hume considera, em sua teoria da
mente, que os conceitos são espécies de ideias, e estas são figurativas. Desse modo, as
ideias humeanas somente representam “questões de fato” quando a elas se assemelham
não deve. Essa mudança é imperceptível, porém da maior importância. Pois como esse deve ou não deve
expressa uma nova relação ou afirmação, esta precisaria ser notada e explicada; ao mesmo tempo, seria
preciso que se desse uma razão para algo que parece totalmente inconcebível, ou seja, como essa nova
relação pode ser deduzida de outras inteiramente diferentes”. HUME, David. Tratado da Natureza
Humana. Tradução de Débora Danowiski. Livro III, Parte I, Seção II. São Paulo, Editora UNESP, 2000,
p. 509
Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano V, nº 3, 2014 [p. 49 a 76]