Revista Redescrições | Page 53

53 inferida de uma questão de fato, o que impossibilitaria de se ter um juízo moral ancorado em um fato da realidade. Mas o fundamental da Lei de Hume, para Putnam é outro. Para o filósofo, o tema da inderivabilidade não demonstrável exposta na Lei de Hume não tem seu cerne simplesmente naquilo que diz respeito à questão inferencial, donde não poderíamos, claramente, apresentar como teorema a passagem lógica do ‘é’ para o ‘deve’. Segundo ele: Se a afirmação fosse simplesmente acerca da forma de certas inferências, ela proibiria qualquer um de inferir “deve-se fazer x em tais e tais circunstâncias” a partir de “em tais e tais circunstâncias, é bom fazer x e, nessas circunstâncias, é mau deixar de fazer x”. Por certo, muitos filósofos responderiam a esse exemplo dizendo que ele não entra em conflito com o dictum de Hume, porque é um caso de inferência de um “deve” a partir de outro “deve”. Mas esse é o meu ponto. A habilidade deles de reconhecer enunciados tais como “em tais e tais circunstâncias, é bom fazer x e, nessas circunstâncias, é mau deixar de fazer x” como um caso de “deve” não resulta de alguma característica da forma do enunciado mas, antes, de um entendimento do seu conteúdo (PUTNAM, 2008a, pp. 28-29) Esta consideração é reveladora de um aspecto metafísico componente da percepção do problema do ponto de vista humeano, pois toma como motor da Lei uma constatação dos enunciados, que incluem o ‘deve’, não do ponto de vista lógico, demonstrando, assim, que a questão é muito mais profunda do que uma simples consideração formal. Essa inclusão da centralidade do conteúdo, ao invés do privilégio do modo inferencial, que objetaria que a passagem do ‘é’ para o ‘deve’ acarreta a invalidade do procedimento lógico, nos conduz a uma perspectivação do problema que é, quando colocado assim, dimensionado de outra maneira. Destarte, a centralidade do conteúdo exigirá que tenhamos em consideração aquilo faz, para Hume, que um enunciado seja um enunciado de ‘é’, pois assim entenderemos o que ele quer dizer com a noção de ‘fato’. A observação que Putnam faz nos lembra que Hume considera, em sua teoria da mente, que os conceitos são espécies de ideias, e estas são figurativas. Desse modo, as ideias humeanas somente representam “questões de fato” quando a elas se assemelham não deve. Essa mudança é imperceptível, porém da maior importância. Pois como esse deve ou não deve expressa uma nova relação ou afirmação, esta precisaria ser notada e explicada; ao mesmo tempo, seria preciso que se desse uma razão para algo que parece totalmente inconcebível, ou seja, como essa nova relação pode ser deduzida de outras inteiramente diferentes”. HUME, David. Tratado da Natureza Humana. Tradução de Débora Danowiski. Livro III, Parte I, Seção II. São Paulo, Editora UNESP, 2000, p. 509 Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano V, nº 3, 2014 [p. 49 a 76]