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históricas, sociológicas, políticas e filosóficas teriam mais espaço, e antigos termos
como phrónesis (prudentia) reapareceriam com outras cores77.
No renovado emprego do termo, o “direito” não se restringiria mais a
representação como “ciência estrita do direito” ou de “ciência pura do direito” 78, entre
outras formas científicas semelhantes, no estilo de uma ciência rigorosa, voltada para a
busca do espelhamento da “realidade objetiva”, fundando-se em normas e
conceptualizando valores essenciais. O “direito” como prática social literária
conversacional amplia esses contornos, indo além de interesses processuais,
epistemológicos ou formais. Ele interagiria com outras narrativas, sem entendê-las
como estranhas à ciência ou meramente “auxiliares” 79 da mesma. Todas narrativas
literárias seriam importantes, se tiverem o poder de comover e sensibilizar cada vez
mais pessoas, no sentido de incluí-las entre esse grande grupo chamado “nós”. O
emprego narrativo do termo “direito”, nesta perspectiva, faria parte da busca pelo
aprimoramento do que seria do interesse de uma sociedade democrática. Configurariase como sendo a prática abrangente de termos como “o justo” em cada caso, isso diante
77 Lembrando Gadamer: “... a ciência jurídica romana do período tardio, por exemplo, ascendeu
sobre o pano de fundo (Hintergrund) da arte do direito (Rechtskunst) e da prática do direito
(Rechtspraxis), que lida mais com o ideal prático da phrónesis do que com o ideal teórico da sophia” .
GADAMER, 1986, p. 25. RESE, 2007, p. 127. Mais interessante é que, para Aristóteles, a phrónesis não
é uma ciência (epistéme). EN 1140a32 e ss. Algo que Cícero alterou no De Officiis, ao explicar a palavra
grega. Para ele, a phrónesis é “... a ciência [scientia] daquilo que se deve aspirar ou evitar” (...quae est
rerum expetendarum fugiendarumque scientia). (CÍCERO, L. I, 153). É certo, no entanto, que o uso da
palavra “scientia” aproxima-se do sentido que temos de “conhecimento”. É interessante observar que a
epistéme em Aristóteles pode ser teórica (theoretiké), prática (praktiké) ou criadora (poiética). Top.
145a15-16. Contudo, a phrónesis (prudentia) não é episteme.
78 Para Kelsen o objeto da ciência do direito são as normas do direito (... dass Gegenstand der
Rechtswissenschaft Rechtsnormen sind) (KELSEN, 1976, p. 72). No sentido kelseniano, a ciência do
direito tem de ser pura e deve, como princípio metódico fundamental, libertar a ciência do direito de todos
os elementos estranhos: “... die Rechtswissenschaft von allen ihr fremden Elementen befreien. Das ist ihr
methodisches Grundprinzip.” (ibidem, p. 1). Sob o olhar rortyano, são justamente esses elementos
estranhos que garantiriam ao Direito o atendimento de suas funções, dentro daquilo que é esperado pela
sociedade político democrática. Se Rorty pudesse ler a “Teoria pura do direito” de Kelsen, afirmaria que,
enquanto teoria científica, a mesma é um modelo ideal de regras epistemológicas, que, por seu turno,
impossibilitam a abertura democrática de debates narrativos sobre conceitos e estruturas tidas como
perfeitamente estabelecidas. Diante da aproximação rortyana, tal teoria se enquadraria perfeitamente ao
esperado por regimes antidemocráticos.
79 Nos livros curso de ciência do direito, as chamadas “disciplinas” Filosofia do Direito,
História do Direito, Sociologia Jurídica, Lógica Jurídica e, mais recentemente, Hermenêutica Jurídica (em
que pese a última ser tida como “parte” da Filosofia) são consideradas “auxiliares da ciência jurídica
stricto sensu” ou fazendo parte, diante da propalada dicotomia “zetética X dogmática” jurídica, do âmbito
da “zetética”. Ver: FERRAZ JUNIOR, 1991, p. 48. Neste âmbito, como “auxiliares”, dá-se a entender que
tais narrativas seriam menos relevantes no contraste com a narrativa do discurso “normal” da ciência.
Redescrições – Revista online do GT de Pragmatismo, ano V, nº 3, 2014 [p. 7 a 48]