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Iuri operam daturum prius nosse oportet, unde nomen iuris descendat. est
autem a iustitia appellatum: nam, ut eleganter Celsus definit, ius est ars boni
et aequi.
Quem quer estudar o direito, tem de primeiro saber, de onde advém a palavra
direito (iuris). O direito é nomeado a partir da justiça (iustitia): de fato, como
Celso elegantemente define, direito (ius) é a arte (ars) do bom e do justo
(aequi).72
Claro que não me preocupo com a definição fixa formal que poderia ser
entendida como “científica”73. Muito menos estou definindo o direito ou formulando
uma teoria geral que justificaria certas práticas. O que faço é observar uma descrição
anterior, como uma narrativa histórica, redescrevendo-a. O que quero narrar aqui é
como o sentido sugerido de “direito” esteve sempre gravitando em torno do vocábulo
“prática”, aqui faço uma analogia com um uso do termo “gravitar” em Dennett. Os
romanos tocam no assunto e lembram desta função prática do direito que quero
alcançar. Eles afirmam que, para sabermos o direito, devemos estudá-lo, mas não basta
apenas conhecermos sua teoria (seus institutos, estrutura etc.), temos que saber de onde
o termo deriva. A interpretação genética romana, em que pese poder parecer
essencialista, na verdade tem um fim mnêmico e pedagógico. Para Ulpiano, temos que
entender como se aplica a justiça, algo igualmente importante para Rorty. Ao sabermos
o sentido do termo “justiça”, podemos nomear o direito (ius ou jus), ou seja, tentar
entendê-lo. A meu ver, para conhecer o jus temos que conhecer como se dá a arte prática
da justitia, isto é, o atuar, a práxis poética74 dos que agem ao aplicar o termo, isto é, de
suas conversações e narrações sobre o termo. Tal prática deriva de certa habilidade
prática, de certa “sagacidade” e “vivacidade”, que estou chamando aqui de “arte”. O
direito é descrito, no sentido mais amplo do termo, como uma arte: Ius est ars boni et
aequi. Como arte (ars), ele tem a função de resolver conflitos entre pessoas e atingir o
mais equitativo eticamente (para Rorty: etnicamente). Na aplicação desta arte a
sensibilidade ética torna-se estética, no sentido do “justo” poder ser “belo” e o “belo”
pode ser também o “útil” ou o “necessário”. Na justificação de narrativas (ex)postas nos
72 Tradução modificada, com base em JUSTINIANO, 2000, p. 15.
73 Que fique claro que não estou procurando as fontes ou os princípios (fundamentos ou
essências) do termo, ou aquilo que Rorty chamou “das Ursprungliche” no estilo heideggeriano ou “ta
archaía” no de Platão. Cf. RORTY, 2007a, p. 192.
74 Lembro aqui também das observações de Rorty sobre a “poesia da justiça” (the poetry of
justice). Cf. RORTY, 1999, p. 99.
Redescrições – Revista online do GT de Pragmatismo, ano V, nº 3, 2014 [p. 7 a 48]