Revista Redescrições | Page 40

40 Iuri operam daturum prius nosse oportet, unde nomen iuris descendat. est autem a iustitia appellatum: nam, ut eleganter Celsus definit, ius est ars boni et aequi. Quem quer estudar o direito, tem de primeiro saber, de onde advém a palavra direito (iuris). O direito é nomeado a partir da justiça (iustitia): de fato, como Celso elegantemente define, direito (ius) é a arte (ars) do bom e do justo (aequi).72 Claro que não me preocupo com a definição fixa formal que poderia ser entendida como “científica”73. Muito menos estou definindo o direito ou formulando uma teoria geral que justificaria certas práticas. O que faço é observar uma descrição anterior, como uma narrativa histórica, redescrevendo-a. O que quero narrar aqui é como o sentido sugerido de “direito” esteve sempre gravitando em torno do vocábulo “prática”, aqui faço uma analogia com um uso do termo “gravitar” em Dennett. Os romanos tocam no assunto e lembram desta função prática do direito que quero alcançar. Eles afirmam que, para sabermos o direito, devemos estudá-lo, mas não basta apenas conhecermos sua teoria (seus institutos, estrutura etc.), temos que saber de onde o termo deriva. A interpretação genética romana, em que pese poder parecer essencialista, na verdade tem um fim mnêmico e pedagógico. Para Ulpiano, temos que entender como se aplica a justiça, algo igualmente importante para Rorty. Ao sabermos o sentido do termo “justiça”, podemos nomear o direito (ius ou jus), ou seja, tentar entendê-lo. A meu ver, para conhecer o jus temos que conhecer como se dá a arte prática da justitia, isto é, o atuar, a práxis poética74 dos que agem ao aplicar o termo, isto é, de suas conversações e narrações sobre o termo. Tal prática deriva de certa habilidade prática, de certa “sagacidade” e “vivacidade”, que estou chamando aqui de “arte”. O direito é descrito, no sentido mais amplo do termo, como uma arte: Ius est ars boni et aequi. Como arte (ars), ele tem a função de resolver conflitos entre pessoas e atingir o mais equitativo eticamente (para Rorty: etnicamente). Na aplicação desta arte a sensibilidade ética torna-se estética, no sentido do “justo” poder ser “belo” e o “belo” pode ser também o “útil” ou o “necessário”. Na justificação de narrativas (ex)postas nos 72 Tradução modificada, com base em JUSTINIANO, 2000, p. 15. 73 Que fique claro que não estou procurando as fontes ou os princípios (fundamentos ou essências) do termo, ou aquilo que Rorty chamou “das Ursprungliche” no estilo heideggeriano ou “ta archaía” no de Platão. Cf. RORTY, 2007a, p. 192. 74 Lembro aqui também das observações de Rorty sobre a “poesia da justiça” (the poetry of justice). Cf. RORTY, 1999, p. 99. Redescrições – Revista online do GT de Pragmatismo, ano V, nº 3, 2014 [p. 7 a 48]