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Ao adotar esta postura redescritiva, a filosofia e a ciência, como literatura,
proporcionariam narrativas sobre o uso de vocábulos. Literatura entendida aqui como
“literatura universal” (Weltliteratur), não aquela delimitada a certos gêneros ou
vinculada a certas categorias, como é o caso da “literatura clá ssica” ou o “romance”.
Neste contexto, não podemos esquecer uma importante colocação de Gadamer em
“Verdade e Método”: “[...] assim o conceito de literatura é, por outro lado, muito mais
amplo do que o conceito de obra de arte literária” 68. Penso que, neste aspecto, Rorty
concorda com Gadamer, quando este nos lembra que os textos jurídicos pertencem a
literatura universal69, assim como ocorre com os textos econômicos ou religiosos, e com
os textos que interpretam cientificamente todos esses textos transmitidos (GADAMER,
1986, p. 167).
Agora, como tornar a narrativa do direito mais interessante? Como vimos,
conhecemos a aplicação científica do direito e o que chamaríamos de aplicação práticohermenêutica do termo. Esses dois sentidos parecem conviver na prática social
circunscrita ao direito. O primeiro sentido, no entanto, depende do segundo, uma vez
que é da prática do direito que nasceu sua ciência e não o contrário. Por isso, o sentido
da palavra que estou buscando é aquele que resgata sua nuance original artística. O
direito em sua conjunção com a história, a sociologia, a retórica, a hermenêutica, a
literatura universal e com a sua tarefa prática de harmonizar a “justiça” e o “bem” na
sociedade. Um direito mais anterior, que não teria receios científicos, no sentido de
sentir-se menos sério por não ser “científico”. Um direito que pode agir, ou ser
confundido com, a “justiça” ou que não acharia temerário em ser apontado como uma
arte prática70.
A partir da visão de demolição e (re-)construção de um novo paradigma,
devemos pensar um novo uso do vocábulo “direito”. Uso este que serviria apenas como
68 “... so ist auf der anderen Seite der Begriff der Literatur sehr viel weiter als der Begriff des
literarischen Kunstwerks.“ GADAMER, 1986, p. 167.
69 A abrangência do vocábulo “literatura universal” é ainda maior do que podemos pensar, pois,
em meu entender, pode envolver textos (livros, roteiros) que se tornam peças de teatro ou filmes, assim
como a prática escrita hermenêutica do filme e do próprio texto do qual derivou. O mesmo se dá com
outras obras de arte, desenhos, charges, cartoons e outras imagens visuais.
70 Não tomo o termo “arte” no sentido de uma técnica (téchne), com a finalidade de se dizer o
que deva ser uma norma, como o fez Roubier. Cf. sua aproximação ao direito na obra “Teoria Geral do
Direito” (Théorie Générale du Droit, 1951).
Redescrições – Revista online do GT de Pragmatismo, ano V, nº 3, 2014 [p. 7 a 48]