Revista Redescrições | Page 21

21 sentimental, suas visões e expectativas políticas e sociais, no diálogo indireto que trava com a sociedade, no momento que este expõe os conteúdos de sua sentença. Rorty talvez não diria que o juiz devesse ignorar a autoridade das normas ou suas experiências. Claro que o conhecimento do arcabouço jurídico de normas faz parte de sua formação (educação científica formal) e, conscientemente ou inconscientemente 34, esse componente normativo ou de justificação normativa é levado em consideração, a ponto de ser utilizado como referência ou diretriz em muitos processos jurídicos 35. No entanto, isso é historicamente contingencial e as narrativas normativas deveriam ser observadas como um certo tipo de literatura que se integra às descrições que fazemos em torno do tema “direito”. Questões referentes ao conceito de norma, à natureza da “norma” ou sua qualidade como objeto central da ciência jurídica não são importantes, especialmente quando observamos a prática prudencial do direito. Há algo mais que a sociedade espera tanto dos seus juízes quanto dos seus advogados, defensores ou promotores públicos. Espera-se deles a capacidade de reconhecer as necessidades da sociedade em que vivem, de se comoverem e de sensibilizarem. Seguindo o pensamento de Rorty, não sobrecarrego a responsabilidade (literalmente, a capacidade de resposta) do juiz ao colocar (descrever) sua posição num processo, como fazem os realistas americanos e escandinavos. Tal capacidade de reconhecimento das necessidades sociais envolveria novas descrições não apenas por parte do magistrado. O advogado, o promotor e outros servidores públicos também têm esse papel, quando trazem novas formas de narrativa ou de abordagem sobre um tema jurídico. Ao provocar novas abordagens, cria o profissional novos vocabulários, novas discussões, mas não apenas ele. Tais profissionais, no jogo da prática social, debateriam com outros. Para Rorty, escritores romancistas, sociólogos, historiadores, ou poetas influenciariam fortemente a forma como a sociedade se comportaria. A conversação ou Petrażcki, começa formalmente com Axel Hägerström, passa por Vilhelm Lundstedt e Karl Olivecrona, e chega a Alf Ross. Em Ross há o que podemos chamar de uma síntese entre as tradições do realismo psicológico e do realismo comportamental. Algo que Ross professa no § 14 de seu livro. Cf. ROSS, 2007, p. 74. 34 Algo que lembra a colocação de Zizek sobre as “fórmulas fetichizadas que ninguém compreende de fato” dos especialistas e cientistas. Cf. ZIZEK, 2009, p. 156. 35 No contexto norte-americano, Rorty vê como um progresso moral “o pensamento de que os tribunais não apenas aplicam regras, mas as fazem” e que isso “não é mais assustador” (RORTY, 1999, p. 111). Redescrições – Revista online do GT de Pragmatismo, ano V, nº 3, 2014 [p. 7 a 48]