Revista Redescrições | Page 15

15 aplicação da lei a um caso concreto (jurisperitus), ele passaria a ser um crítico deste ambiente formal científico em que está inserido e passaria a se preocupar (se sensibilizar) com os benefícios que sua atuação social pode trazer. Por que isso seria relevante no contexto do emprego do termo “direito”? Ao alcançar este outro patamar de argumentação, o jurista ganha espaço na discussão política mais abrangente, vincula seu saber teórico formal às contingências sóciohistóricas e de bem estar de grupo(s) e preocupa-se com os debates sobre os fins de sua própria ciência (sua incidência prática). Neste contexto, ele estaria aberto às informações que a literatura universal, a poesia, os filmes, a mídia jornalística etc., podem lhe fornecer, naquilo que Rorty chamaria de “educação sentimental” (RORTY, 1998, p. 180)17. No meu entender, este último tipo de educação comporia, junto à educação formal do jurista, uma nova “enkyklios paideía” (círculo de formação). Neste plano, ele se tornaria muito mais um jurisconsulto (jurisconsultus) do que um jurisperito18. Desta maneira, vemos a passagem da jurisscientia para jurisprudentia19. A jurisprudência como uma prática discursiva de conversação mais ampla, que enxerga os contextos contingentes históricos dos problemas de nossa sociedade e que envolve a literatura que se ocupa com o termo “direito” ou que o emprega circunstancialmente. Em termos rortyanos, um âmbito frutífero em narrativas, a partir do qual novos vocabulários e/ou uso de metáforas são criados. Um breve exemplo: As descrições dos fatos jurídicos Como um exemplo da aplicação rortyana ao Direito, trataremos aqui da questão do “fato jurídico”, compreendido pelos teóricos como um “fato real” ou um “fato externo” dentro de um processo judicial em específico. A ciência do direito, interpretada 17 Lembrando ainda que: “Social scientists, like novelists, poets, and politicians, occasionally come up with good ideas that the judges can use.” (RORTY, 1999, p. 96). 18 Estou adotando vocábulos antigos romanos no sentido de reinterpretar/redescrever dadas denominações tradicionais. 19 Apesar desses termos romanos serem há muito conhecidos e aplicados, eu busco aqui uma outra forma de uso dos vocábulos. Como acima escrito, procuro redescrever o papel das pessoas que atuam com o Direito. Parafraseando Rorty: Tais palavras não são conceitos, mas apenas sugestões. Observação: Favor não confundir com o emprego de conceitos romanos-kantianos, como ocorre logo no início da “Teoria do Direito” (Rechtslehre) na primeira parte da “Metafísica dos Costumes”. Cf. KANT, 1907, p. 229 [5-12]. Redescrições – Revista online do GT de Pragmatismo, ano V, nº 3, 2014 [p. 7 a 48]