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aplicação da lei a um caso concreto (jurisperitus), ele passaria a ser um crítico deste
ambiente formal científico em que está inserido e passaria a se preocupar (se
sensibilizar) com os benefícios que sua atuação social pode trazer.
Por que isso seria relevante no contexto do emprego do termo “direito”? Ao
alcançar este outro patamar de argumentação, o jurista ganha espaço na discussão
política mais abrangente, vincula seu saber teórico formal às contingências sóciohistóricas e de bem estar de grupo(s) e preocupa-se com os debates sobre os fins de sua
própria ciência (sua incidência prática). Neste contexto, ele estaria aberto às
informações que a literatura universal, a poesia, os filmes, a mídia jornalística etc.,
podem lhe fornecer, naquilo que Rorty chamaria de “educação sentimental” (RORTY,
1998, p. 180)17. No meu entender, este último tipo de educação comporia, junto à
educação formal do jurista, uma nova “enkyklios paideía” (círculo de formação). Neste
plano, ele se tornaria muito mais um jurisconsulto (jurisconsultus) do que um
jurisperito18. Desta maneira, vemos a passagem da jurisscientia para jurisprudentia19. A
jurisprudência como uma prática discursiva de conversação mais ampla, que enxerga os
contextos contingentes históricos dos problemas de nossa sociedade e que envolve a
literatura que se ocupa com o termo “direito” ou que o emprega circunstancialmente.
Em termos rortyanos, um âmbito frutífero em narrativas, a partir do qual novos
vocabulários e/ou uso de metáforas são criados.
Um breve exemplo: As descrições dos fatos jurídicos
Como um exemplo da aplicação rortyana ao Direito, trataremos aqui da questão
do “fato jurídico”, compreendido pelos teóricos como um “fato real” ou um “fato
externo” dentro de um processo judicial em específico. A ciência do direito, interpretada
17 Lembrando ainda que: “Social scientists, like novelists, poets, and politicians, occasionally
come up with good ideas that the judges can use.” (RORTY, 1999, p. 96).
18 Estou adotando vocábulos antigos romanos no sentido de reinterpretar/redescrever dadas
denominações tradicionais.
19 Apesar desses termos romanos serem há muito conhecidos e aplicados, eu busco aqui uma
outra forma de uso dos vocábulos. Como acima escrito, procuro redescrever o papel das pessoas que
atuam com o Direito. Parafraseando Rorty: Tais palavras não são conceitos, mas apenas sugestões.
Observação: Favor não confundir com o emprego de conceitos romanos-kantianos, como ocorre logo no
início da “Teoria do Direito” (Rechtslehre) na primeira parte da “Metafísica dos Costumes”. Cf. KANT,
1907, p. 229 [5-12].
Redescrições – Revista online do GT de Pragmatismo, ano V, nº 3, 2014 [p. 7 a 48]