Revista Redescrições | Page 133

133 autorreprodução, outros são criados. A diferenciação de espécies de Heidegger se torna, nessa leitura, uma distinção elitista entre membros de uma mesma espécie (embora seja de algum modo obscuro em que momento aqueles que são “objetos e não sujeitos de seleção [auslese]” falharam na sua performance ou foram forçados). O parágrafo que parece, então, ter reproduzido a maior indignação no debate que se seguiu após a “Elmauer Rede” é o seguinte: É característica da era técnica e antropotecnológica que as pessoas tendam para o lado ativo ou subjetivo da seleção, sem ânimo de ter sido forçadas a assumir o papel de selecionadores. (Como evidência, pode-se notar que há um desconforto com o poder de voto, e em breve se to rnará uma opção de inocência se as pessoas explicitamente se recusarem a exercitar o poder de escolha que elas conquistaram.) Porém, tão rapidamente quanto o conhecimento definitivo (wissenmacht) tem positivamente se desenvolvido numa área, muitas pessoas são consideradas menores se – como nos tempos passados e mais inocentes – elas permitem a um poder maior, seja ele ou deus ou sorte ou qualquer outro, agir em seus lugares. Desde que a simples recusa ou omissão tende a revelar sua esterilidade, pode muito bem acontecer de, no futuro, o problema ser ativamente confrontado pela formulação de um códex de antropotecnologia. Tal códex poderia também alterar retroativamente o significado do Humanismo clássico para, assim, tornar-se público e oficial que o conteúdo do Humanismo é não só a aliança do homem com o homem; ele poderá também implicar, e fazer cada vez mais explícito, que o homem incorpora/representa um poder maior para o homem. Ele continua: [Essas considerações] bastam para deixar claro que a próxima grande Era será decisiva para o período humano de espécies/politica. Nela, será exposto em que momento a humanidade (ou sua facção cultural maior) será capaz de ocasionar a implementação de métodos minimamente efetivos de autodomesticação. Já na cultura dos dias de hoje, uma guerra de titãs está sendo travada entre os impulsos civilizatórios e bestializantes e suas mídias correspondentes. A referência às tecnologias atuais, o mais perto que Sloterdijk chega da filosofia prática de verdade, é mais clara no seguinte parágrafo: Mas em que momento esse desenvolvimento de longo alcance resultará também numa revisão genética das características das espécies, em que momento uma antropotecnologia futura resultará num explícito planejamento de características específicas, em que momento através de todas as espécies a humanidade será capaz de transformar defeitos de nascimento em nascimentos otimizados e em uma seleção pré-natal universal – essas são questões através das quais o horizonte evolucionário, sempre vago e arriscado, começa a emitir centelhas de luz…2 2 Peter Sloterdijk, Regeln fuer den Menschenpark, Die Zeit 38/99, reimpresso na Zeit-Hefte Der Streit um den Menschen, p. 12. (tradução da autora) Redescrições – Revista online do GT de Pragmatismo, ano V, nº 3, 2014 [p. 131 a 140]