Revista Redescrições | Page 127

127 Sujeitos servos Aqui eu gostaria de relembrar você da cena primária da emergência de um sujeito autoconsciente, como descrito por Hegel na sua Fenomenologia do Espírito. Como você lembrará, de acordo com Hegel, o sujeito se torna autoconsciente quando sua vida é posta em um extremo perigo mortal por uma luta entre si mesmo e outro sujeito – uma luta com resultados imprevisíveis. Assim, o sujeito emerge originalmente através do alerta da sua possível morte – sendo apreendido por medo e tremor. O nascimento do sujeito através da angústia da morte é um tema que foi repetido depois em diferentes formas por Keirkegaard, Nietzsche, Heidegger e muitos outros. Agora, Hegel famosamente descreveu o resultado da luta entre duas autoconsciências da seguinte forma: um ganha, e outro morre ou se resigna. Um se tor na senhor (master), e outro se torna servo (uma tradução melhor da Knecht hegeliana – não “escravo”, como é comumente traduzido). O servo abre mão dos seus próprios desejos e passa a servir ao desejo do mestre. Assim, o sujeito servo se torna reduzido a uma coisa, uma ferramenta; um meio material para a realização dos desejos do sujeito mestre. Dessa maneira, o sujeito servil se torna uma força material operante no mesmo nível que as outras forças materiais. Portanto, em sentido último, a história do mundo se torna a história do sujeito servil, e não a história do sujeito senhor – história de mundo sendo história do trabalho. Trabalho como serviço é um caminho do puro espiritualismo e imaterialismo para dentro da materialidade do mundo real. O sujeito servo transforma o mundo por seu trabalho material e coloca o mundo material sobre seu controle. Entretanto, o sujeito servo pode sobreviver e tomar controle sobre o mundo material somente permanecendo um sujeito resignado – abrindo mão dos seus próprios desejos, mensagens e sonhos de senhoria. Também em uma posição de poder, o sujeito resignado permanece um sujeito servo – servindo tecnologia, sociedade, humanidade, progresso, natureza, mundo etc. O grande papel histórico do sujeito resignado é o papel do executivo, do funcionário, do gerente, do burocrata. Para aplicar este insight hegeliano ao nosso tópico corrente, alguém pode dizer que o único sujeito que se torna alerta da possibilidade, e mesmo da certeza da sua morte eminente, através do seu uso do meio material de comunicação, torna-se Redescrições – Revista online do GT de Pragmatismo, ano V, nº 3, 2014 [p. 125 a 130]