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solidão. Assim, a rigor a solidão não existe. Ou, se quisermos manter o termo, que o
tomemos nessa nossa característica moderna de nos colocar na jogada diante de nós
mesmos.
Mulheres ou homens que não se descasam com medo da solidão, então, possuem
alguma razão? Caso eles tenham não formado o hábito da reflexão, do equacionamento de
seus dramas interiores, talvez tenham sim medo da solidão, que certamente será o vazio.
Caso contrário, à medida que a vida a dois se tornar chata, ela nem precisa se tornar
insuportável para dar abertura para a aventura na solidão. O divórcio virá como algo
natural.
Os homens que usufruem da civilização em seu máximo, podem então saber que
estão aptos para a solidão. Eles não se sentirão sozinhos. Por isso Heidegger teve a
sensação de que filosofar era, no seu melhor, uma atividade solitária. Quando a jovem
Hannah Arendt o procurou para “aprender a pensar”, ele a recriminou, dizendo que pensar
era pensar solitariamente. Ele tinha lá sua razão: em nossos tempos efetivamente isso é
possível, podemos pensar sozinhos se estamos aproveitando ao máximo as inúmeras
técnicas de retiro que durante muito tempo temos criado e posto em prática.
Quando nos damos conta de que a solidão tem esses contornos, podemos começar a
filosoficamente compreender a solidão e, então, ajudar todo a vê-la com menos sinais
negativos que até então.
*Paulo Ghiraldelli Jr. é filósofo, diretor do Centro de Estudos em Filosofia Americana (CEFA) e professor da
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). E-mail: [email protected].
REFERÊNCIAS
MACHO, T. Mit sich allein. Einsamkeit als Kulturtechnik In: Aleida und Jan Assmann
(Orgs.): Einsamkeit. Archäologie der literarischen Kommunikation VI. München: Wilhelm
Fink, 2000.
SLOTERDIJK, Peter. Bubbles. Spheres I. LA: Semiotext(e), 2011.
Redescrições – Revista online do GT de Pragmatismo, ano V, nº 3, 2014 [p. 111 a 114]