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sociedades o que ele chama de consciência coletiva preenche quase todo o campo de
pensamento dos indivíduos. Eles acreditam nas mesmas coisas e fazem as mesmas coisas,
com poucas especializações, em geral nada além da divisão do trabalho entre homens e
mulheres. Ora, sociedades modernas, complexas, têm uma consciência coletiva diminuta e
os indivíduos possuem entre seus pensamentos um bom espaço para a consciência
individual, não comum. As atividades são diversificadas, seguindo uma colaboração do tipo
daquela em que um supre as deficiências e necessidades dos outros. Vivemos nessas
sociedades e não imaginamos que, em sociedades primitivas, nas quais nossos antepassados
começaram a vida civilizada, a noção de que o pensamento era algo particular, privado e
possível de se tornar um campo secreto era impossível. Como todos pensavam as mesmas
coisas, todos sabiam de tudo que se passava na cabeça dos outros3. Todavia, quando
passamos a viver em sociedades em que a consciência coletiva se tornou diminuta, os
pensamentos individuais cresceram e só então fez sentido essa noção que temos hoje, que a
mente é em um reduto de segredos e um campo só nosso, um eu próprio, um lugar que
possui uma porta fechada aos demais. Ora, isso não ocorreu do dia para a noite. E foram os
religiosos e filósofos que deram o primeiro passo no sentido de ousarem abrir um espaço
novo no próprio pensamento, ao lado do pensamento maior, o da consciência coletiva.
Esses religiosos e filósofos não disseram que tais pensamentos eram deles mesmos.
Tenderam a ver neles uma manifestação de novidade em suas cabeças e, por isso mesmo,
como algo exterior. Nomearam daimons, gênios e anjos como responsáveis por isso. A fim
de melhor se darem com tais entidades, criaram então isolamentos corriqueiros, dentro da
sociedade, ou então isolamentos esporádicos, maiores, que implicavam na busca de uma
situação de eremitas, alguns por uma fase outros por uma vida toda. Esses retiros ou buscas
de meditações se fizeram em desertos. Questões de reflexão simples foram resolvidas pelas
técnicas filosóficas de abstração, questões dramáticas de grandes decisões foram resolvidas
por períodos grandes de reflexão, com indubitável presença de forças poderosas, talvez
Deus ou próprio anti-Deus – isso ficou a cargo mais de religiosos. Sócrates ficava em transe
3SLOTERDIJK, Peter. Bubbles. Spheres I. LA: Semiotext(e), 2011, pp. 263-8
Redescrições – Revista online do GT de Pragmatismo, ano V, nº 3, 2014 [p. 111 a 114]