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ponto de vista de Sloterdijk, a crise global é a única instituição capaz de redirecionar as
forças psicodinâmicas de maneira colaborativa (1999, p. 985; 2005a, p. 224). É a crise
global que pode elevar a consciência através das espumas de que a política clássica se
tornou obsoleta (2009, p. 699). Em vez de estratégias agressivas, o único modo de lidar
com a crise global é se empenhar em negociações sem fim nas quais forças eróticas e
thymóticas são constantemente reequilibradas (1999, p. 985; 2005a, p. 224). A questão
não é a do equilíbrio entre eros e thymos, as duas forças psicodinâmicas precisam ser
enfaticamente abarcadas. O desafio é desviar o foco erótico da dominação de pessoas e
territórios e da egoística acumulação de objetos para um modo de compartilhamento e
fusão e, ao mesmo tempo, desviar o foco thymótico de base ressentida para o de
superioridade generosa. A liberdade de buscar os próprios interesses precisa ser
balanceada pela habilidade de doar recursos eróticos e thymóticos para o outro, de modo
que ele também se liberte (2005a, p. 412). A consequência de atitude tão generosa é que
o outro não aparece mais como aquele que fora e que está em dívida, mas como aquele
que poderia se tornar um apoio (2005b. p. 354).
A segunda ecumenia põe o chão para uma nova percepção das necessidades
imunológicas dos seres humanos. Em verdade, essas necessidades nunca mudaram
fundamentalmente. Com a expulsão do útero, cada ser humano precisa de abrigo para
sobreviver. Como afirmado acima, esse mecanismo não se limita ao controle de
ameaças biológicas. Seres humanos também dependem de recursos sócio- e psicoimunológicos; sua produção depende, entretanto, de vias colaborativas. Na
paleopolítica, essa colaboração ocorre naturalmente; pode ser interpretada como
continuação do altruísmo animal de práticas de criação e como a emergência do
altruísmo cultural (2009, p. 710). Na política clássica, a colaboração é restrita dentro das
entidades políticas clássicas de tribos formais, reinados, impérios e estados-nações. A
imunização é, então, um privilégio exclusivo dos membros de uma específica entidade
política. A colaboração além dos limites de uma entidade política clássica é vista como
um desperdício de recursos ou simplesmente como um risco assumido; conceitos
racistas são um exemplo óbvio dessa perspectiva. Em vez de colaborar com outras
entidades políticas, coletivos estrangeiros são percebidos como ameaças para a
imunização própria ou utilizados como local de descarga para qualquer elemento não
Redescrições – Revista online do GT de Pragmatismo, ano V, nº 3, 2014 [p. 90 a 110]