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PATRIMÓNIO
GOUVEIA | REVISTA MUNICIPAL
FOLGOSINHO
MEDIEVAL
Recorrendo às marcas e símbolos que nos foram possível detectar durante o le-
ressalvas em relação à sua veracidade, podemos estabelecer numa relação com
vantamento que temos vindo a realizar, percebemos que temos uma dispersão
a simbologia e as marcas que nos surgiram no decorrer do levantamento, sobre
e quantidade assinaláveis, praticamente, por toda a freguesia, excepção feita à
o qual nos detemos.
área urbana que foi desenvolvida durante os 1930/1940, associada à exploração
A maior constante destes símbolos encontra-se nos cruciformes. Em termos nu-
mineira do volfrâmio.
méricos temos o incrível número de 90 cruciformes, em conjuntos ou isolados,
Outro elemento que é importante é o facto de esta informação se apresentar
distribuídos por 62 imóveis. Porém, o cruciforme com o número 31 do catálogo, na
inédita na historiografia portuguesa.
Rua do Quebra-Costas, mostra-nos que nem todos eles representam o período em
Assim, a informação que recolhemos referente aos judeus/conversos, reflecte-se
que ser cristão-novo era um estatuto social, pois é acompanhado da data 1955.
em duas ocorrências toponímicas mais óbvias e outra na forma de tradição popu-
Julgamos que este facto relaciona-se com o acto de exteriorizar a fé católica que
lar, transmitida de forma oral.
está bem enraizado na população e tendo em conta o número de cruzes que se
As duas primeiras referem-se à Rua da Judiaria e à Quintã do Pedrão que se
apresentam na freguesia, esta pode ter sido uma tendência de cópia assumida
designa, popularmente, como Quintã do Judeu. A outra informação tradicional
sem o carácter que se afirma para o período correspondente entre o século XVI e
refere-se a um imóvel sobejamente conhecido na freguesia, que a população
XVIII, de afirmação exterior, sincera ou não, da adesão à fé cristã. Esta mostra-nos
designa de “sinagoga”.
a banalização que o acto assumiu.
Este encontra-se à entrada da freguesia, no cruzamento da Rua do Quebra-Costas
As outras marcas identificadas nas ombreiras foram os “rebaixamentos”, com 20
e da Rua do Gorgulhão, num imóvel que também se diz ter sido o edifício onde
imóveis a apresentar esta característica.
nasceu o guerreiro Lusitano, Viriato, por causa de uma placa escrita em Latim,
A interpretação destes é mais complexa, pois, associam-se estes elementos aos
colocada pelo Dr. João Vasconcelos, não correspondendo ao período romano. Re-
amoladores, que procediam à afia das lâminas nas ombreiras, mas como vimos
tratamos o imóvel mais adiante.
em Gouveia, existem elementos destes em edifícios religiosos, como na capela de
A transição do séc. XV para o XVI é conturbado com a expulsão/conversão dos
S. Miguel e na Igreja de S. Julião.
judeus de Espanha e depois de Portugal, com as movimentações da população se-
Não é verosímil a actividade exerce-se à porta das capelas.
fardita a registar-se tanto pela chegada de Espanha como nas migrações internas.
A altura a que a grande maioria destes elementos se encontra, o polimento e a
Não temos dados concretos sobre quantas pessoas viviam e qual era a morfologia
suavidade ao toque, leva-nos a crer que pode estar relacionado com a tradição
urbana da freguesia, no entanto, no final deste período da história temos marcas
monoteísta e hebraica que se refere à mezuzah, onde o crente tinha de afirmar
e símbolos que nos permitem vislumbrar alguns destes aspectos, assim como
a sua adesão à fé ao colocar um elemento na ombreira da porta, tendo de to-
alguma informação documental.
car nesse elemento sempre que passasse por ele pronunciando as palavras que
Assim, em termos quantitativos, Folgosinho tinha 42 vizinhos nas inquirições de
1496, com o número a subir para 85 no numeramento de
152714
estavam inscritas num pergaminho que se colocava numa concavidade, com as
quando os
palavras de DP. 6,4 - 9; 11,13 - 21, a que nos referimos como marcas na Mezuzot.
cristãos-novos já eram uma realidade. Rodrigo Mendes da Silva, em 1645 na sua
Quanto às marcas na Mezuzot, foram identificadas 2 até ao momento, a surgir-nos
“Poblacion General de España, sus trofeos, blasones, etc.”, diz-nos que o número
na face interna e na ombreira direita, a sua localização é periférica em relação aos
de fogos mantivera-se, referindo que “la vila de Fulgosiño (...) cõ 80 vezinos”. Em
eixos com maior dispersão de cruciformes.
1767 contavam-se já 190 fogos na “vila”.
Este é o elemento mais raro, mas também aquele que mais facilmente podemos
Este crescimento ao longo da época moderna é um reflexo da importância des-
associar à comunidade hebraica, pois é conhecido o seu papel na lei de Moisés.
te ponto entre o alto da serra e as terras do baixo concelho, mas não só. Pode
Estas são concavidades, rasgadas na face interna da ombreira direita, com 10 a 14
corresponder também à vinda da comunidade cristã-nova de outros pontos da
cm de altura e 3 a 6 de largura.
região, ou do país, causando a duplicação referida no número de fogos num pe-
A dispersão dá-se um pouco por toda a freguesia, no entanto a sua maioria parece
ríodo, relativamente curto. É curioso termos estes números, que com as devidas
concentrar-se em dois eixos. O que liga o fundo da Vila, considerada a área mais
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DIAS, João José, A Beira Interior em 1496, p.143