Revista Municipal de Gouveia | Page 36

36 PATRIMÓNIO GOUVEIA | REVISTA MUNICIPAL FOLGOSINHO MEDIEVAL Recorrendo às marcas e símbolos que nos foram possível detectar durante o le- ressalvas em relação à sua veracidade, podemos estabelecer numa relação com vantamento que temos vindo a realizar, percebemos que temos uma dispersão a simbologia e as marcas que nos surgiram no decorrer do levantamento, sobre e quantidade assinaláveis, praticamente, por toda a freguesia, excepção feita à o qual nos detemos. área urbana que foi desenvolvida durante os 1930/1940, associada à exploração A maior constante destes símbolos encontra-se nos cruciformes. Em termos nu- mineira do volfrâmio. méricos temos o incrível número de 90 cruciformes, em conjuntos ou isolados, Outro elemento que é importante é o facto de esta informação se apresentar distribuídos por 62 imóveis. Porém, o cruciforme com o número 31 do catálogo, na inédita na historiografia portuguesa. Rua do Quebra-Costas, mostra-nos que nem todos eles representam o período em Assim, a informação que recolhemos referente aos judeus/conversos, reflecte-se que ser cristão-novo era um estatuto social, pois é acompanhado da data 1955. em duas ocorrências toponímicas mais óbvias e outra na forma de tradição popu- Julgamos que este facto relaciona-se com o acto de exteriorizar a fé católica que lar, transmitida de forma oral. está bem enraizado na população e tendo em conta o número de cruzes que se As duas primeiras referem-se à Rua da Judiaria e à Quintã do Pedrão que se apresentam na freguesia, esta pode ter sido uma tendência de cópia assumida designa, popularmente, como Quintã do Judeu. A outra informação tradicional sem o carácter que se afirma para o período correspondente entre o século XVI e refere-se a um imóvel sobejamente conhecido na freguesia, que a população XVIII, de afirmação exterior, sincera ou não, da adesão à fé cristã. Esta mostra-nos designa de “sinagoga”. a banalização que o acto assumiu. Este encontra-se à entrada da freguesia, no cruzamento da Rua do Quebra-Costas As outras marcas identificadas nas ombreiras foram os “rebaixamentos”, com 20 e da Rua do Gorgulhão, num imóvel que também se diz ter sido o edifício onde imóveis a apresentar esta característica. nasceu o guerreiro Lusitano, Viriato, por causa de uma placa escrita em Latim, A interpretação destes é mais complexa, pois, associam-se estes elementos aos colocada pelo Dr. João Vasconcelos, não correspondendo ao período romano. Re- amoladores, que procediam à afia das lâminas nas ombreiras, mas como vimos tratamos o imóvel mais adiante. em Gouveia, existem elementos destes em edifícios religiosos, como na capela de A transição do séc. XV para o XVI é conturbado com a expulsão/conversão dos S. Miguel e na Igreja de S. Julião. judeus de Espanha e depois de Portugal, com as movimentações da população se- Não é verosímil a actividade exerce-se à porta das capelas. fardita a registar-se tanto pela chegada de Espanha como nas migrações internas. A altura a que a grande maioria destes elementos se encontra, o polimento e a Não temos dados concretos sobre quantas pessoas viviam e qual era a morfologia suavidade ao toque, leva-nos a crer que pode estar relacionado com a tradição urbana da freguesia, no entanto, no final deste período da história temos marcas monoteísta e hebraica que se refere à mezuzah, onde o crente tinha de afirmar e símbolos que nos permitem vislumbrar alguns destes aspectos, assim como a sua adesão à fé ao colocar um elemento na ombreira da porta, tendo de to- alguma informação documental. car nesse elemento sempre que passasse por ele pronunciando as palavras que Assim, em termos quantitativos, Folgosinho tinha 42 vizinhos nas inquirições de 1496, com o número a subir para 85 no numeramento de 152714 estavam inscritas num pergaminho que se colocava numa concavidade, com as quando os palavras de DP. 6,4 - 9; 11,13 - 21, a que nos referimos como marcas na Mezuzot. cristãos-novos já eram uma realidade. Rodrigo Mendes da Silva, em 1645 na sua Quanto às marcas na Mezuzot, foram identificadas 2 até ao momento, a surgir-nos “Poblacion General de España, sus trofeos, blasones, etc.”, diz-nos que o número na face interna e na ombreira direita, a sua localização é periférica em relação aos de fogos mantivera-se, referindo que “la vila de Fulgosiño (...) cõ 80 vezinos”. Em eixos com maior dispersão de cruciformes. 1767 contavam-se já 190 fogos na “vila”. Este é o elemento mais raro, mas também aquele que mais facilmente podemos Este crescimento ao longo da época moderna é um reflexo da importância des- associar à comunidade hebraica, pois é conhecido o seu papel na lei de Moisés. te ponto entre o alto da serra e as terras do baixo concelho, mas não só. Pode Estas são concavidades, rasgadas na face interna da ombreira direita, com 10 a 14 corresponder também à vinda da comunidade cristã-nova de outros pontos da cm de altura e 3 a 6 de largura. região, ou do país, causando a duplicação referida no número de fogos num pe- A dispersão dá-se um pouco por toda a freguesia, no entanto a sua maioria parece ríodo, relativamente curto. É curioso termos estes números, que com as devidas concentrar-se em dois eixos. O que liga o fundo da Vila, considerada a área mais 14 DIAS, João José, A Beira Interior em 1496, p.143