Revista de Medicina Desportiva Informa Janeiro 2017 | Page 22

As lesões traumáticas da articulação de Lisfranc incluem lesões do ligamento de Lisfranc ( entorses ), fraturas e luxações e podem conduzir a dor , deformidade , instabilidade articular e alterações articulares degenerativas 2 , 8 .
Os mecanismos de lesão mais frequentes são :
• traumatismo direto no mediopé , tipicamente de alta energia , resultando em fraturas e luxações de Lisfranc
• traumatismo indireto , em particular movimentos de hiperflexão plantar e hiperabdução , que muitas vezes ocorrem combinados 2 , 9 . Apesar das lesões de Lisfranc de alta energia serem mais frequentemente reportadas , na população desportista as de baixa energia são mais frequentes , admitindo-se que o seu difícil diagnóstico pode subestimar a sua verdadeira frequência 9 , 10 . As lesões em flexão plantar ocorrem quando é aplicada carga axial sobre o pé em flexão plantar e as metatarsicofalângicas em dorsiflexão , sendo este movimento típico de desportos de carga que incluem saltos . A articulação de Lisfranc cede dorsalmente , verificando-se luxação dorsal da base do 2 .º metatársico . As lesões em hiperabdução ocorrem quando o antepé sofre abdução súbita relativamente ao retropé que se encontra fixo , o que se pode verificar , por exemplo , no surf e na equitação 2 , 3 , 11 . O estudo de Peicha G et al . 5 sugere que os indivíduos que apresentam uma anatomia com menor profundidade da indentação da base do 2 .º metatársico na mortalha entre os cuneiformes têm menor estabilidade articular e como tal risco superior de lesão desta articulação .
Classificação
Em 1909 , Quénu e Kuss 13 criaram a primeira classificação das luxações de Lisfranc , dividindo-as em homolaterais , isoladas e divergentes . Este sistema foi revisto por Hardcastle et al 13 e Myerson et al 14 , chegando à classificação mais utilizada atualmente ( Figura 2 ):
• tipo A – incongruência total em direção lateral ou medial ;
• tipo B – incongruência parcial , com luxação de apenas uma coluna ;
• tipo C – divergente , com desvio medial da coluna medial e desvio lateral da coluna média e por vezes também a lateral . Estas classificações descrevem as lesões de alta energia que provocam luxações de Lisfranc , mas não as de baixa energia que resultam mais frequentemente em entorses . Em 2002 , Nunley e Vertullo 15 criaram uma classificação para as entorses de Lisfranc ( Figura 3 ). O grau I corresponde a lesão ligamentar parcial , não demonstrando sinais radiográficos de instabilidade . Os graus II e III correspondem a roturas totais do ligamento de Lisfranc , com consequente instabilidade articular . O grau II tem sinais de instabilidade radiográfica ( diastáse da articulação de Lisfranc superior a 2mm ) e altura do arco longitudinal mantida , enquanto no grau III há também perda da altura do arco longitudinal .
Clínica
Nas lesões de Lisfranc ligeiras é necessário um grau elevado de suspeita clínica , na medida em que o paciente com entorse de Lisfranc pode apresentar-se com vários graus
de dor e edema do mediopé . Tipicamente a dor é localizada no mediopé e surge com a carga sobre o mesmo , sobretudo ao descer escadas 2 , 11 . A equimose plantar do mediopé é considerada patognomónica de lesão de Lisfranc , sendo critério absoluto para estudo radiográfico 17 . A palpação dorsal ao nível da articulação de Lisfranc , a compressão colateral do mediopé e a manipulação plantar e dorsal da base do 1 .º metatársico em relação ao 2 .º metatársico são manobras provocativas que despertam dor na presença de lesão de Lisfranc 11 . Nas luxações verifica-se uma deformidade marcada de acordo com a orientação do desvio articular .
Diagnóstico
O não diagnóstico , e consequente não tratamento , das lesões de Lisfranc pode não apenas prolongar o regresso à atividade desportiva , mas também conduzir a alterações articulares degenerativas pós- -traumáticas e dor que limitam a atividade e pioram a qualidade de vida no futuro 2 . A dificuldade no diagnóstico verifica-se sobretudo nas entorses puras , quando não se estão presentes fraturas ou luxações óbvias . A história e o exame físico são cruciais para o diagnóstico das lesões de Lisfranc . No entanto , deve-se realizar sempre um estudo radiográfico 11 . Na suspeita de lesão de Lisfranc é mandatório realizar radiografias em carga do pé em incidências ântero-posterior , perfil e oblíqua a 30 °. Estas são as incidências radiográficas base para o estudo da articulação de Lisfranc e também as mais úteis 2 . Em situações de elevada suspeita clínica e incidências radiográficas base sem alterações ,
Figura 2 . Classificação de Myerson das luxações de Lisfranc . Tipo A – Incongruência total ; Tipo B – Incongruência parcial ; Tipo C – Divergente 16 .
20 Janeiro 2017 www . revdesportiva . pt