Military Review Edição Brasileira Quarto Trimestre 2016 | Page 103
IDIOMA ESTRANGEIRO
A Grande Diversidade de Qualidades
Intelectuais
O ensino profissional militar pode ser visto sob
dois aspectos gerais. O primeiro consiste em instruir e
moldar os novos oficiais como parte integrante do todo.
Um novo oficial é impressionável e aberto, até mesmo
maleável, aos costumes e ao ethos da profissão militar.
O segundo geralmente ocorre entre oficiais superiores, como tenentes-coronéis ou novos coronéis, e cada
vez mais entre oficiais-generais, quando as Escolas de
Guerra das Forças Singulares (e, geralmente, no caso
de oficiais-generais, as universidades civis) possibilitam
um amadurecimento intelectual do oficial. Nas palavras de Carl von Clausewitz: “A influência da grande diversidade de qualidades intelectuais é sentida principalmente nos postos mais elevados da carreira, e aumenta
à medida que se sobe a escada. É a causa primordial da
diversidade de caminhos que levam à consecução do
propósito [...] e da parcela desproporcional atribuída ao
papel desempenhado pela probabilidade e pelo acaso na
determinação do rumo dos acontecimentos”6.
Os desafios diante dos oficiais são extraordinários
e graves. A tecnologia, com tudo o que ela pressagia, é
somente uma das áreas de interesse. Os norte-americanos são, reconhecidamente, especialistas em concentrar-se na tecnologia para vencer guerras. Pesquisas
sobre a guerra de pulsos eletromagnéticos, superioridade de informações, sistemas avançados de tecnologia
da informação (suscetíveis ao hacking de baixo custo) e
hardwares cada vez mais caros são apenas alguns exemplos. De modo geral, os norte-americanos são bons em
tecnologia. É bom que as Forças dos EUA continuem a
aumentar seus conhecimentos especializados nas áreas
em que tenh am uma relativa vantagem.
Vale lembrar, também, que, se a tecnologia destrutiva aumenta a violência, a tecnologia construtiva
aumenta a compaixão, e as lições da tecnologia são
universais. Uma dessas lições é que a teleologia tecnológica não é uma medida precisa do verdadeiro
desempenho do produto. Não é irônico, porém, que
o estudo e o aprendizado e, sim, o espírito empreendedor, que produziram todas essas maravilhas não
tenham sido direcionados um pouco mais para o
software? Especificamente, os formuladores de política
norte-americanos, e talvez a liderança militar, prestaram pouca atenção às ideias, crenças, motivações e
sonhos dos seres humanos.
MILITARY REVIEW Quarto Trimestre 2016
A disciplina que recebe a menor atenção é o aprendizado — o verdadeiro aprendizado — de um idioma
estrangeiro. Pode-se dizer que os idiomas estrangeiros
são vistos como apenas mais um acessório na caixa de
ferramentas do reparador. O fato de que a proficiência
em um idioma requer tempo para alcançar e constante
atenção para manter não é facilmente reconhecido. Por
melhor que sejam em tecnologia e suas várias ramificações, os norte-americanos são péssimos no que diz
respeito a incentivar a valorização ou reconhecimento
da necessidade de aprender um idioma estrangeiro.
É natural que essa postura também afete o segmento
militar. Há anos que as Forças Armadas se iludem —
particularmente ao lidar com o hemisfério ocidental—,
acreditando que, devido ao número de militares de origem latino-americana, especialmente entre praças, não
haja uma grande necessidade de uma abordagem formal para assegurar a proficiência no idioma espanhol.
Entre os oficiais, existe uma quantidade desproporcionalmente pequena de indivíduos que possam
alegar fluência em um idioma estrangeiro. Muitas
vezes, a fluência em uma outra língua não foi adquirida por meio de uma instrução formal ou imersão em
uma cultura estrangeira. Além disso, o fato de que um
indivíduo seja, digamos, de Porto Rico e fluente em
espanhol não quer dizer que vá trabalhar bem com tribos indígenas nas selvas do Peru. Os norte-americanos
normalmente consideram o Peru como um país de língua espanhola, mas e se esses povos indígenas falarem
apenas quéchua ou aimará?
A escassez de conhecimentos linguísticos e culturais — sem falar em discernimento histórico — foi um
fator que contribuiu significativamente para o caos no
Vietnã, a tragédia no Beirute em 1983, o fracasso em
Mogadício em 1993 e os graves confrontos atuais com
o fundamentalismo islâmico7. Comandantes militares
com um bom domínio do idioma e uma compreensão
profunda da história regional teriam evitado esses
conflitos? Os fracassos militares dos EUA poderiam
ter sido prevenidos se as Forças Armadas houvessem
efetuado os necessários ajustes coordenados ao ensino
de oficiais, de modo que eles entendessem os fatores
humanos? Talvez não, mas essas duas capacidades,
devidamente empregadas e aplicadas, teriam contribuído de maneira pragmática ao processo decisório. A
natureza das intervenções e, possivelmente, seus efeitos
talvez não houvessem sido tão trágicos.
101