Military Review Edição Brasileira Março-Abril 2014 | Page 45
adestrar para fracassar
em uma visão escatológica do mundo e não em
metodologias ocidentais adaptadas ao exercício.
Os atores devem enxergar o mundo de forma diferente e enquadrar suas decisões para acompanhar
essa cultura. Isso requer profissionais maduros e
experientes — não recrutas.
Cenários com vários oponentes permitem
a competição, cooperação e funções distintas de
comando e controle para enfatizar a realidade não
presente em um simulacro.
O efetivo de uma força oponente deve ser
submetido a um treinamento preparatório planejado para reduzir as preferências institucionais das
Forças Armadas ocidentais e introduzir conceitos,
linguagem, metodologias e símbolos adotados
por potenciais inimigos, de modo a romper as
operações de uma Força que se adestra.
Os eventos de treinamento de grande
escala devem abandonar o simulacro altamente
centralizado, de cima para baixo, e aceitar uma
simulação descentralizada e adaptável, com atores
oponentes competitivos e não alinhados. Para ser
mais realístico, precisamos abdicar do controle.
Isso viola nossa cultura militar.
Todos os locais de instrução militar profissional que enquadram a abordagem ocidental
devem também reservar tempos de instrução para
abordar culturas não ocidentais, um processo
equilibrado e justo. A ideia é contestar nossas
visões e valores.
As sugestões acima exigem um afastamento
significativo e potencialmente destrutivo de como
o Exército dos EUA entende o adestramento no
nível ontológico e filosófico. Provavelmente elas
encontrarão muita resistência30. Contestar nossos
costumes institucionais, particularmente os já
arraigados, exige reflexão crítica e criatividade, que
nossas Forças Armadas atacam frequentemente
para silenciá-las31. Um fator significante dessa
resistência à adaptação está justamente na nossa
posição paradoxal de ser adaptável enquanto se
obedece uma doutrina32. Já que nossa doutrina
é uma força motriz que estimula todo o adestramento, incluindo sistemas virtuais, a forma como
abordamos os cenários de treinamento virtual
requer uma discussão sobre o simulacro.
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Military Review • Março-Abril 2014
A Dependência de Sistemas Virtuais: A Dupla
Geração de Simulacros
Nossas Forças Armadas enfatizam, em todos os
escalões, os sistemas virtuais para treinamento33.
Os sistemas virtuais oferecem a oportunidade
para a geração de um ambiente de treinamento
altamente sofisticado enquanto diminuem os
custos, as exigências de recursos físicos e tempo.
Contudo, na estratégia atual de adestramento
da Força a nossa tendência de criar simulacro
aumenta quando dependemos de sistemas virtuais
para treinamento. Nosso simulacro cria mais uma
camada de simulacro; ou — a falsa Veneza de Las
Vegas acrescenta mais uma camada de simulacro
virtual. A principal tensão aqui observada necessita uma explicação e de contexto de treinamento.
Considere o seguinte evento de adestramento
virtual e “vivo” no mundo físico:
Uma rede de traficantes, quando simulada em um
ambiente de treinamento virtual, tem a capacidade
de agir segundo regras pré-configuradas onde as
ações físicas, tais como transporte, efeitos das
armas, deslocamento de pessoal e equipamento
podem ser observadas por uma Unidade no terreno.
No programa, um ícone simbolizando um oponente
pode atacar um centro de controle e causar danos
virtuais, com os dados sobre o evento chegando
na Unidade para sua análise e reação. Todas as
informações, seja virtual ou fornecida por um instrutor, carregam um simulacro porque profissionais
militares ou terceirizados estreitamente associados
criam e administram todos os sistemas e cenários
virtuais34. Encontramos o mesmo problema em
relação às forças oponentes quando a metodologia
de planejamento, conceitos, linguagens e valores
idênticos impelem os inimigos virtuais. Em ambos,
a explicação se reflete nos nossos próprios costumes
institucionais. Assim, atores virtuais repetem o que
integrantes das forças oponentes fazem no treinamento “vivo” porque os definimos dessa forma.
Em outras palavras, construir uma cidade virtual
imitando Veneza ainda manterá o mesmo simulacro
como o de Veneza em Las Vegas. Nenhum dos dois
reflete a realidade, e ambos são cópias sem original.
Além disso, simulacro de treinamento virtual tem
também um problema de contexto.
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