Não contava contigo e tu vieste
Vestido de pecado e de virtude;
Puxaste-me pr`a ti num gesto rude,
Mas foi de mel o beijo que me deste
E foste-me roubando o que pudeste,
Enquanto eu te roubava quanto pude...
Sabemos que nenhum de nós se ilude;
Se te aconteço, tu me aconteceste!
Tão longe estamos já da juventude,
Ambos loucos - bem sei, bem mo disseste... -,
Como águas presas num qualquer açude
Que ouso transpor, porquanto o transpuseste...
Que ninguém mais confine e prenda ou mude
A louca maré-viva que nos veste!
Não sei que chamar-te, mas sei que te sinto
Por vezes meu escravo, por vezes meu rei,
Se colhes do favo quanto mel te dei
Perdida, encantada, no teu labirinto...
Nas veias do espanto, sorvendo esse absinto
Da taça em que o guardas, que ergui, que provei...
Ah, quando me tardas - que és de ouro... e de lei! -
Por qu`rer-te e provar-to, me rendo e consinto
Que inteira me dobres, a mim, que, selvagem,
Desbravo sozinha mil rotas do p`rigo
Das ondas mais bravas - não mais que a coragem! -,
Por rotas convulsas de crime e castigo,
Na barca da vida que já ruma à margem
Da louca voragem que enfrento contigo...
MARÉ-VIVA
UM SONETO PARA POSEIDON
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