Inominável Nº 2 | Page 18

COLUNISTA ACIDENTAL

foi rasgado com a ajuda de dois dentes, balança por entre os vapores na eminência de se precipitar no líquido mate, mas é seguro com dois dedos e amarrotado junto com o resto do pacote.

Dois dedos de unhas envernizadas de vermelho e nem uma lasca, um descuido, nada mais que o verniz rebrilhando na pele lisa das mãos, um castanho muito leve que é também a cor dos braços nus: como se o sol se tivesse descuidado apenas o tanto que desse àquela pele aquele tom levemente tisnado.

Maria do Rosário a tomar o chá da tarde.

O chá muito quente escorre-lhe nas paredes do corpo, e Maria do Rosário frui esse conforto vagamente doloroso, enquanto mantem a chávena dependurada, muito quieta, muito direita, a dois palmos da mesinha, uma peça engraçada que ela um dia trouxe de uma feira, metal reciclado de bidons de gasolina que a artesã lhe disse que na aldeia havia demasiados a alimentarem tractores e motores de rega.

Maria do Rosário completamente sozinha desde o dia vinte e sete.

E ao poisar a chávena, faz-se um ruido de loiça contra loiça que se repercute pelo metal da mesa, e não terá sido mais do que o silêncio a fazer-se notado.

Maria do Rosário recosta-se nas almofadas em tons de verdes e azuis, riscas alternadas muito debotadas que ela ajeita de modo que a cabeça lhe repouse no fofo que é a espuma com que um dia, faz já muitos anos, encheu cada uma e, depois, fechou-as com uns pontarelos de linha e assim tinham ficado, até agora.

Um pacotinho de açúcar a ser vertido numa chávena de chá fervente.

O cantinho de papel, que nem há nada foi

U

um chá sob o guarda-sol

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