Luísa rodrigues
Considerava-se preenchido, mas precisamente naquele
momento, debaixo da mesa de trabalho, um vazio tremendo
invadiu-o. Se morresse naquele segundo, quem choraria por
ele? O que ficaria de seu no mundo?
Ao barulho de uns passos próximos de si, encolheu-se
mais e quase deixou de respirar. As botas, tipo militar,
percorreram rapidamente o caminho da porta até à mesa.
Ouviu, entretanto, algo metálico pousar por cima de si. À
sua frente umas calças pretas, masculinas. A voz, grave, que
há minutos gritava, falou ternamente:
- Ligaste-me amor? Só posso falar um minuto, estou
cheio de trabalho. O escritório, hoje, está um caos. Sabes
como é o meu chefe… sim… sim… fica descansada, eu vou
buscar a Alice ao colégio. Tem um bom dia, amor. Amo-te
muito.
O homem desligou o telefone e saiu da sala, disparando
freneticamente a sua arma. António deixou escapar um
soluço. Pensou em como naquele momento gostava de
acreditar em Deus, pedir-lhe que o poupasse à morte, que o
deixasse viver mais uns anos. Nunca fora devotado à
religião, apesar do fervor católico da sua mãe e das suas tias.
Depois lembrou-se da sua colega Ana, mãe de dois filhos
pequenos, com quem costumava almoçar e partilhar
conversas. Percebeu que nutria um carinho especial por ela.
Inconscientemente pediu a Deus que a protegesse daqueles
96