Detectives Selvagens 1 - Setembro 2014 | Page 88

TIAGO CORTE-REAL acenar de cabeça e viu–os subir a escada com um olhar desconfiado. Tirou a moeda do bolso do casaco e voltou a girá–la, desta vez em direcção ao tecto do corredor. Os dois novos hóspedes partilhavam uma piada enquanto subiam o lance de escadas. O primeiro, alto de perfil majestoso, inclinava–se na direcção do ouvido atento do segundo, provocando risadas roucas e despreocupadas próprias dos que vivem tempos de bonança. “O sentido de humor não fará certamente parte do arsenal dos desonestos”, pensou Menstap, “pelo menos dos de hoje”. Saiu. A chuva continuava a cair, mas com menos violência do que nos últimos dias. O cinzento carregado e impenetrável dava agora espaço a breves nuances de luz, deixando antever que lá por cima, para além daquela barreira de nuvens, o sol continuava a existir. Cruzou–se com um casal de passo apressado logo no início da rua, resguardados debaixo de um chapéu de chuva multicolor. Ele só lhes viu a parte inferior do torso e quatro pés furiosos a bater na calçada, perigosamente perto de onde ele se encontrava. Sem abrandar o passo, as duas silhuetas aceleraram em direcção ao parque de estacionamento que se encontrava mais acima, sem sequer repararem num Menstap espremido contra a parede. Sem descolar do reboco pintado de creme e ainda com o peito cheio de ar, pensou que gostaria de saber o nome daqueles dois, o seu passado, as 88