MENSTAP OU A CERTEZA DO ACASO
manto opaco. Parecia que o tempo tinha apagado todas as
particularidades e deixado apenas aquilo que lhes era
comum. Dois membros superiores, dois inferiores, um tronco
e uma cabeça que variava ocasionalmente de tamanho.
Levantou–se da cadeira que tinha ao lado do colchão
com os olhos pregados na moeda, enquanto uma das mãos
vasculhava um saco de papel à procura de uma maçã em
idade avançada. O político não deve ter gostado da
petulância, pensou Menstap, que reparava agora no tom
exaltado com que este se dirigia agora aos que tentavam
“impor limites ao espírito democrático e progressista que há
séculos caracteriza as sociedades ocidentais”. Já de cócoras
debaixo da mesa, agarrou a moeda e rodou–a entre os dedos
com a agilidade de um mágico, aproveitando para desligar a
electricidade que alimentava a televisão. Sentou–se no soalho
velho de madeira e atirou a moeda ao ar. “Um passeio até à
praça se sair cara”. A moeda rodou no ar, sibilante, e ele
seguiu–a com os olhos, num misto de expectativa e
encantamento.
Menstap tirou o casaco impermeável que estava
pendurado
no
cabide
da
parede
e
saiu.
Desceu
vagarosamente as escadas do centro, passando por um dos
voluntários e dois senegaleses que haviam chegado de
Espanha há um par de dias. Cumprimentou–os com um leve
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