Detectives Selvagens 1 - Setembro 2014 | Page 69

22:47 E nche-se a janela do verde pasto primaveril, junto ao riacho deixado pelas últimas chuvas de Abril, corre pelo lancil do passeio até se ocultar no mistério da sargeta, a aragem encarrega-se da boleia do cheiro achocolatado das margaridas que ao chegar lá acima se mistura na canela dos queques da vizinha Augusta, Maria Aparecida Silva e Lima, nascida na Vila Nova da Barquinha, Ribatejo, em 1958, numa pequena casa saloia onde a soleira dos degraus beija o leito do rio, sob o olhar plácido e atento da lua quente de Agosto, mãe afectuosa de 3, Francisco, Ricardo e Gonçalo, As árvores comissariam orquestras espontâneas apenas quebradas pelos berros dos miúdos a brincar lá em baixo, o som longínquo mas presente recorda uma juventude pueril, de pés na areia quente das praias algarvias com as vozes distantes, embalam com aquele carinho maternal, curiosamente aparecem antes do sonho e adormecem antes do abrir de olhos, (um lamento, quiçá um lamento) a vida lá se foi vivendo, a velhice não assusta, o murmúrio que a morte segreda é companheiro de caminho, foi há já uma eternidade que a idade cochichou baixinho por contas de dedos, a doce melancolia do tempo, a recordação estilhaçada da rua e do elástico, a velhice 69