Inês COSTA
brancura do frigorífico. Assim ela crescia em liberdade,
ficava grande como as outras irmãs da televisão e eu podia
visitá-la quando quisesse.
A minha avó abriu a porta da cozinha que dava para o
pequeno terraço forrado a azulejos coloridos e assimétricos,
soltou uma exclamação e voltou-se para mim, demasiado
fresca no meu vestidinho. Ia ter que me vestir muitos casacos,
hoje. Perguntei-lhe se ainda estava cu de lobos. Cu de lobos
era a expressão que a minha avó usava para dizer que estava
nevoeiro. Ela sorriu e disse que sim. Enchouriçou-me em dois
casacos e um cachecol, nem conseguia fechar os braços ou
rodar a cabeça, mas consegui chegar com a mão ao saco de
plástico onde se encontrava o aquário da Relíquia e pegar
nele.
Atravessei a nacional pela mão da minha avó e não a
larguei quando chegámos ao descampado. O nevoeiro fazia
desaparecer a velha fábrica cor-de-rosa e em troca agudizava
a sensação de abandono daquele espaço. Fomos para a
direita por memória já que não víamos nada, só ouvíamos
uivos do vento que eram muito intensos e, enrolados naquela
atmosfera cinzenta, pareciam vindos de outra dimensão. O ar
frio queimava-me a garganta e as minhas mãos estavam
geladas porque eu não tinha querido calçar luvas, queria
sentir o plástico do saco a cortar-me a mão. O peso do saco
era a única coisa real naquela caminhada, lembrando-me do
66