ÁLVARO REIS
Para absolutamente nada;
Como se não precisasse da vida
Para absolutamente nada.
Vejo o cigarro esfumar-se,
Apercebendo-me que a minha vida se esfuma também:
Alguém a acendeu,
Subtraiu-lhe o fumo
E deixou a maldita beata.
Deixou-a
Sem sequer a amarrotar no cinzeiro,
Que é onde todas as beatas devem estar –
No cinzeiro.
(Tão fora do cosmos que eu estou!)
Um daqueles dias que passam –
Sem eu ter, realmente,
Passado por ele:
Hoje, passei por mim.
Passei por mim; cruzei-me comigo
E nem me falei.
Passeava, deambulava pela cidade.
Enamorado, feliz:
Assim estava eu.
Esbocei um esgar de escárnio
Quando olhei para mim.
Julguei-me feliz…
Virei-me costas e continuei a andar,
Até me ter perdido de vista.
Não me queria ver assim:
Feliz, conformado, sábio,
Estúpido.
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