Detectives Selvagens 0 - Julho 2014 | Page 45

RUI livro como um livro muito importante e que ele tinha de ler. Tinham feito um filme baseado no livro e tudo. Mas, o livro aborrecia-o. A viagem rio acima, os dilemas existenciais de Marlow, a personagem enigmática e pairante de Kurtz. Continuava por teimosia. Também, o que é que havia para fazer? Lia para se esquecer. De si. Fazia-lhe bem aquietar a mente e adormecer os pensamentos que tinha de si e do que estava à sua volta. Doente. Era assim que se sentia. Não era uma maleita física. Era algo que provinha do âmago. Indefinido. Não conseguia apontar uma causa ou motivo concretos. Sentia um mal-estar permanente que não localizava em parte alguma do seu corpo. Tudo o aborrecia. Tudo o cansava. Desinteresse. Nada tinha peso para si. Nada o puxava. Um imenso sentimento de vazio. Há quanto tempo se sentia assim? Demasiado. Acende outro cigarro. Vira a página do livro. O que é que acabou de ler? Não se lembra. Tenho de me concentrar, pensa. Mas a miríade de pensamentos, memórias, recordações, não pára. Tudo na sua cabeça é confusão. Entra-lhe fumo para os olhos. Ardor. Lágrimas. Sente-se. 45