Detectives Selvagens 0 - Julho 2014 | Page 33

A AUSÊNCIA É UM REVÓLVER CARREGADO desmontar, o miúdo abana, o peito da Filipa abana, já tenho idade para olhar, como tu dizias, como tu olhavas, a mãe distraída a procurar coisas na mala, uma espécie de cartola de mágico sem fundo de onde ninguém pestanejaria se saísse de lá um coelho, e tu a olhares para o decote da recepcionista, deleitado com o alvo vale que se parecia estender até ao balcão. O Bruno não liga nenhuma. Tenho de te admitir uma coisa: ele é melhor pai, ou parece ser, do que alguma vez supus, não que eu tenha grandes conhecimentos da paternidade (o exemplo de casa não era o melhor, pai, desculpa), mas o Bruno parece-me ser um bom pai. Vai distribuindo abraços aos amigos, juro-te que se algum me dá outro calduço ou pergunta puto quando é que és tu eu juro que o mando para o caralho, sim, eu sei, estou numa igreja, sítio pouco adequado para mandar alguém para o caralho, a mãe está aqui, aprendeste essas coisas com quem, e eu respondia com o meu pai, provavelmente caía para o lado de choque, embora isto até seja uma coisa em que eu tenho pensado muito, ultimamente: a ideia que a mãe tem de ti é a ideia que nós temos que ela tem? Ela sabia quem tu eras, mesmo? Quem eras, tu, afinal? Não sei bem. Tu sabias quem eras? Eu não sei bem quem sou: a mãe chateia-me muito por não saber o que quero ser e eu um dia tive a triste ideia de lhe dizer que me custava decidir o que queria ser se não sabia sequer quem era. Ficou louca por uns dias. Queria pôr-me 33