Detectives Selvagens 0 - Julho 2014 | Page 29

NÓS DESFEIITOS A promessa foi escrever-te só quando deixasses de existir não cartas sem destinatário mas a ti inteiro num poema contudo vou-me esquecendo de te verificar o pulso agora que achei um peito branco onde me posso estender como num barco terno sem remos e não espero a consumação de uma comédia ou de um desastre que explique por fim a tua ida. Há noites que sobem e estremecem quais nenúfares em risos faiscantes e todos bebem uma água violácea que separa a língua das palavras que a percorrem e então ninguém pergunta por ti durante séculos. Só eu respondo de vez em quando à voz ténue da memória que nos procura pedindo à orquestra uma música que se pareça um pouco mais com a tua ausência e sem demora nos devore um a um. 29