Detectives Selvagens 0 - Julho 2014 | Page 25

O ELOGIO DAS PESSOAS SIMPLES lágrimas. As pessoas não simples não se permitem viver com simplicidade. Realizam-se nas convenções sociais e profissionais e, não raras vezes, acreditam que são felizes. Perderam o jeito simples e o mundo intrincado que os suporta também os alimenta. Mas não se conseguem rir com espontaneidade. Muito menos chorar. Não são simples. Incapazes de largar as correias que abraçaram aos poucos, sem dar por isso, as pessoas que um dia foram simples ambicionam ser o que não são. Querem pertencer a um grupo, a uma elite ou a uma classe e, despojadas da simplicidade, usam de artifícios que lhes foram ensinados desde tenra idade ou que aprenderam por meios próprios, através de observação ou imitação. Sem se aperceberem, desembaraçam-se do jeito genuíno, da autenticidade e da personalidade vincada e bem definida para se enquadrarem num ideal que constroem, sozinhos ou em conjunto com outras pessoas que também já não são simples. Apoiam-se mutuamente, os que deixaram a simplicidade de lado, e isso dá-lhes força para continuar. Despidos do que são, aquecemse com a cumplicidade dos que, como eles, também vagueiam na busca do que perderam. Até ao dia em que, sem dar por isso, elogiam as pessoas simples. 25