A democracia sob ataque | Page 26

ganhar mais . O argumento da “ perda total ” tem sido utilizado de forma intensiva : os prejuízos sociais serão incomensuráveis , direitos serão simplesmente pisoteados , os pobres terminarão por ser exterminados , as conquistas atiradas no lixo . O exagero retórico , aqui , ainda que válido como recurso de combate , não ajuda ao esclarecimento , pois sobrepõe um tratamento passional e “ parcial ” a toda e qualquer consideração de ordem mais “ racional ” e “ geral ”.
Se agregarmos a isso o fato de que os partidos pouco produzem – quando muito , agitam sem muito critério –, conseguimos entender as razões que fazem o debate fiscal ficar na estratosfera , ainda que seja vital para todos . O ajuste vai andando , sem que ninguém se dê ao trabalho de traduzi-lo em termos compreensíveis e de modelá-lo para causar menos estrago social . A opinião pública no seu conjunto fica paralisada pelo maniqueísmo simplificador do debate , como se não existissem outras opções e como se a política governamental fosse a única e perfeita saída .
A PEC não caiu do céu . Em outros formatos , algo similar a ela foi tentado antes , por Lula e Dilma , bem como por FHC . O país vive assombrado por demônios recorrentes : o crescimento constante dos gastos públicos , a dificuldade de arrecadar mais , a inflação , a corrupção , o imediatismo e a descontinuidade , para lembrar alguns bem conhecidos .
Nos últimos anos , a gestão pública decaiu muito em termos éticos , políticos , institucionais e econômicos . A inadimplência é elevadíssima , há falências sendo anunciadas em cascata , as finanças de estados e municípios estão no osso , a recessão é real . Tudo isso , querendo-se ou não , ficou associado aos últimos governos , que se mostraram pouco hábeis na gestão fiscal . Isso facilitou o aparecimento de uma onda de caráter neoconservador , ou neoliberal , que elegeu o corte de gastos estatais como bandeira , valendo-se do artifício do antipetismo .
Fala-se , por exemplo , em “ congelamento ” dos gastos com saúde e educação sem que se esclareça devidamente , por um lado , que eles serão corrigidos anualmente pela inflação passada e , por outro , que tais gastos não são obrigações predominantemente federais . Estados e municípios participam em cerca de 25 % deles , assim como o setor privado , que arca com quase 60 % do total . O teto da PEC 241 , portanto , afetaria aproximadamente 15 % do que se gasta com saúde e educação , e nessa faixa haverá de fato perdas e riscos sérios , até porque contrações no governo central tendem a irradiar contrações para os demais níveis federativos .
24 Marco Aurélio Nogueira