A democracia sob ataque | Page 21

da individualização crescente , da vida em rede e da recomposição do mundo do trabalho .
Há um pouco de cada uma dessas hipóteses na explicação do quadro , com as devidas correções . Não há , por exemplo , “ traição ”, mas acomodação e incapacidade reflexiva : partidos e dirigentes não conseguem processar intelectual e politicamente o mundo que se refaz de forma acelerada . Deixam-se paralisar pelos enigmas que não conseguem decifrar e terminam por se devorarem uns aos outros . Também não há “ fim do social ”, como se agora tudo se limitasse à atuação de sujeitos individuais fora de controle . Os indivíduos estão empoderados , escapam das organizações pesadas , burocráticas , e têm sua atenção dispersada por uma miríade de causas e ofertas , que faz com que percam unidade de ação . Não estão , porém , recolhidos à esfera privada , estranha à política . Estão , ao contrário , manifestando de viva voz a sua insatisfação com a política que lhes é oferecida e à qual têm pouco acesso . Viram as costas para o que está instituído , pelo modo predominante de atuação política e partidária , que termina assim por ser deslegitimado .
Na situação brasileira , este quadro , já em si problemático , está sobredeterminado e potencializado por dinâmicas próprias . A reestruturação pós-moderna se abateu com força sobre o país do início do século para cá , ajudando a dissolver consensos , desfazer pactos e desorganizar culturas . O sistema político , que já exibia ambiguidades e contradições , praticamente mergulhou na inoperância . A sociedade ficou sem eixo , fato que se aprofundou , por um lado , com a perda de protagonismo do maior partido de esquerda do país , o PT , capturado sem vacilação pelo jogo cotidiano da política e por seus próprios projetos particulares de poder , e por outro com a não configuração do PSDB como força partidária substantiva . Ambos os fatos desmontaram o que havia de esboço de socialdemocracia no país , abrindo espaço não para novas forças de esquerda , mas para a centro-direita .
Houve mais . Os governos petistas pouco fizeram para reformar a sociedade durante os anos em que estiveram no governo federal . Suas políticas não tiveram potência fundacional , ainda que tenham sido importantes . Não se sustentaram no tempo e terminaram por se combinar com orientações econômicas e fiscais que aguçaram os estragos do capitalismo , em vez de moderá-los ou contê-los . Pouco se interessaram em promover a aglutinação da centro-esquerda , optando por privilegiar acordos e alianças com o fisiologismo que lhe garantiria a reprodução no poder .
Dilemas e desafios da política democrática
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