A democracia sob ataque | Page 20

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Dilemas e desafios da política democrática
Marco Aurélio Nogueira

O momento político é complicado , de transição , pilotado por um governo repleto de ambiguidades e contradições , sobre o qual pesa uma crise profunda , a impopularidade e a descrença social . Ao menos por isso , chega a surpreender a dificuldade que o campo democrático – com seus políticos , seus intelectuais , seus partidos e suas organizações , que vão do liberalismo avançado às correntes socialdemocráticas mais ou menos radicais –, tem tido de melhorar seu desempenho e promover uma ação minimamente unitária destinada a pavimentar a reorganização da vida política , da governabilidade e das políticas públicas no Brasil .

O fenômeno não começou hoje e não é exclusividade nacional . Para onde quer que olhemos iremos nos deparar com um quadro semelhante . Democratas em guerra entre si , esquerdas se dividindo e se redividindo sem cessar , todos entregues à gestão da política miúda , cotidiana , e em constrangedor silêncio propositivo , assistindo de modo quase passivo à invasão da política pelo mercado e pela lógica do “ espetáculo ”. Abandonam-se princípios e valores fundamentais , deixam-se de lado programas de formação política e de preparação de lideranças , menosprezam-se partidos e organizações . No horizonte , despontam a perda de qualidade da democracia , a consolidação do que tem sido chamado de “ pósdemocracia ” e o encolhimento político e eleitoral das esquerdas , com a consequente redução das chances de formação de governos democráticos representativos , reformadores e eficazes .
O móvel deste universo tem sido a luta intestina , a resistência e a recusa , mais que a busca de hegemonia ou a contestação crítica e prática do capitalismo .
Pode-se tentar explicar o fenômeno valendo-se da subjetivação e apontando o dedo acusador para atores localizados , partidos e dirigentes políticos , responsáveis maiores pelo que haveria de “ traição ” e fracasso . O melhor caminho , porém , é enfatizar a reestruturação em curso , tanto a do capitalismo que se reforça mediante novos procedimentos organizacionais e gerenciais e um firme processo de “ financeirização ”, quanto a da própria sociedade moderna , que se reformula em decorrência das dinâmicas