A democracia sob ataque | Page 179

das leis para os judeus , negros , mouros e peões . Ressalte-se que o termo “ peão ” aplicava-se ao trabalhador braçal , à época , socialmente marginalizado . Vale lembrar , além disso , que os chamados “ oficiais ” ( alfaiates e sapateiros , por exemplo ) eram marginalizados , mas tinham “ maior qualidade ” que os peões . Viviam-se momentos de inacreditável processo de discriminação .
Observe-se que as classes dominantes portuguesas , na Idade Média , eram constituídas , basicamente , pelo clero e nobreza , que , entre outros privilégios , estavam até isentos de pagar impostos , pois consideravam-nos vexatórios , conforme Ferreira Lima ( 1976 , p . 40 ). Em segundo lugar , as classes dominantes portuguesas na Idade Média ( clero e nobreza ) sempre se caracterizaram pelo conservadorismo e , mesmo com as mudanças experimentadas por outras classes sociais ao longo do tempo ( agricultores , proprietários , artesãos , pequenos industriais ), mantiveram a sua forte influência sobre as estruturas políticas , econômicas , culturais e ideológicas , e este imobilismo trouxe reflexos significativos para o ordenamento jurídico brasileiro e a consequente vigência , no país , das Ordenações do Reino pelo longo período de 1603 a 1916 .
Em suma , a causa maior dos arraigados privilégios expressos nos primeiros textos legais brasileiros está vinculada às estruturas sociais no Brasil durante os 300 anos de vigência das Ordenações do Reino . Alguns trechos significativos dessas Ordenações são citados a seguir , com a linguagem da época , acompanhados de alguns comentários ilustrativos , de interesse do presente tema .
As queixas contra os hereges , feitas através dos representantes da justiça ( desembargadores ), para julgamento e aplicação de sanções , eram recebidas pelos representantes da Igreja ( juízes eclesiásticos ). Estas sanções englobavam castigos físicos e confisco dos bens . Tais penas discriminavam especialmente os judeus e os mouros , conforme o Título I , do aludido Livro V . Aos convertidos , aplicavam-se penitências espirituais . No caso dos que blasfemavam contra Deus , as penas , para uma primeira vez , eram variadas : a ) aos fidalgos , pagamento de quatro mil réis ; b ) aos cavaleiros ou escudeiros , pagamento de dois mil réis ; c ) aos peões , trinta açoites mais pagamento de dois mil réis . Quando ocorria reincidência , as penas seriam em dobro e , no caso de uma terceira repetição , além da pena pecuniária , os nobres ( fidalgos , cavaleiros e escudeiros ) seriam degredados por três anos na África e , se peões , condenados a três anos nas galés ( trabalhos forçados ). Vê-se que , para o mesmo delito , as penas variavam conforme a posição ou “ qualidade ” social do apenado .
O estigma da estrutura jurídica privilegiante do Brasil-colônia
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