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32 | Cidade Nova | Abril 2021
Tecnologia | Cibele Lana | revista @ cidadenova . org . br
Inteligência a serviço da humanidade

O impacto das novas tecnologias em povos indígenas

PARA ALÉM DA ALDEIA Entrada vertiginosa da internet , das redes sociais e dos celulares afetou a dinâmica das comunidades e suas tradições , mas , ao mesmo tempo , despertou nos jovens a vontade e a criatividade para levar a valorização da cultura indígena para os meios digitais
QUANDO começou a frequentar uma escola na cidade , ainda criança , o indígena xavante Cristian Wariu era alvo de bullying , com apelidos pejorativos por parte dos amiguinhos . “ Existiam esses apelidos , mas quando eu explicava por que um indígena estava ali e sobre a minha cultura , isso se tornava admiração , interesse . No fim da escola , as pessoas já me chamavam pelo nome ”, conta .
Hoje , com 22 anos e consciente do poder da informação e da dinâmica da internet , Cristian é um influenciador digital indígena , com mais de 400 mil visualizações em seu canal do YouTube , aproximadamente 30 mil seguidores no Instagram e outros milhares no Tik Tok . “ A minha missão ao produzir conteúdo indígena sempre foi a mesma e sempre vai ser : melhorar a convivência com os povos indígenas , desconstruir essas ideias que se enraizaram sobre o povo indígena , trazer não só a minha voz , mas também a de outros indígenas e ocupar esses espaços para mostrar por que somos indígenas e por que existimos ”, completa .
A história de Cristian retrata um dos impactos muito positivos das novas tecnologias em povos originários ao retransmitir a valorização da cultura e do modo de vida , amplificando suas vozes para a sociedade .
Mas a entrada das novas tecnologias nessas comunidades também desencadeou uma série de desafios , especialmente pela rapidez e escassez de informação sobre seus usos e malefícios . Muitas aldeias já têm sinal de wi-fi e amplo acesso à internet e às redes sociais . “ Os nativos estão sendo bombardeados por fake news sobre a vacina e não estão com capacidade de lidar com isso ”, explica Delcio Yokota , coordenador de gestão da informação no Instituto de Pesquisa e Informação Indígena , que tem ampla atuação com povos indígenas no Amapá , especialmente na formação de professores . De acordo com Yokota , muitos nativos têm se recusado a receber a vacina por conta de mensagens no WhatsApp , mesmo sendo um grupo prioritário para vacinação .
Ao expandirmos o olhar para a história , compreendemos que essa é apenas uma consequência recente de um processo que já acontece há muito tempo a partir da relação de contato com não indígenas .
Entre riscos e conquistas
A professora da Universidade do Estado do Amazonas e doutoranda em Antropologia Social Romy Cabral trabalha com povos indígenas há 20 anos , especialmente com o povo Munduruku , na terra Coatá-Laranjal , que também abriga o povo Sateré-Mawé . Ela relata que nas últimas duas décadas as relações de contato nessa região também foram muito fortes . A professora acompanha as comunidades desde 2001 , quando o principal meio de comunicação era a radiofonia e ainda havia apenas dois aparelhos de televisão na região . “ Às 19h , eles ligavam o motor de luz ( com diesel ) e muitos iam para as portas da casa de quem tinha TV para ver o jornal e a novela . Em tempo de Copa do Mundo , faziam ‘ cotinha ’ para colocar diesel no motor e poder assistir aos jogos durante o dia .”

32 | Cidade Nova | Abril 2021