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Entrevista | Emanuel Bomfim | [email protected] Por uma cultura do diálogo Walter Casagrande Jr Ex-jogador de futebol e comentarista esportivo “Jamais vou desistir” DEPOIMENTO Em novo livro biográfico, ex-jogador e comentarista esportivo divide as dores, dificuldades e conquistas do tratamento contra a dependência química Quinze de julho de 2018. Final da Copa do Mundo da Rússia. O Brasil, diante da TV, se encantava com a nova geração do futebol francês, tão bem expressa na habilidade do garoto Mbappé. O trunfo esportivo, no entanto, por algum momento, ficou em segundo plano naquele dia. O ex-jogador e comentarista da TV Globo, Walter Casagrande Jr, abria seu coração perante aquela maciça audiência para celebrar uma conquista pessoal: havia estado sóbrio durante toda a cobertura do Mundial. Ele conta, em entrevista a seguir, que aquilo veio de maneira espontânea, sem planejar. De fato, pegou a todos de surpresa e teve um efeito sublime: a felicidade efêmera do futebol ganhava um significado mais perene. Não se tratava mais da lógica da competição, de quem é o melhor, mas justamente do rompimento dessas barreiras. O reconhecimento da própria miséria e a luta para se erguer na vida, sozinho e coletivamente. Como não se emocionar? O terceiro livro de sua série autobiográfica, Travessia (Globo Livros), escrito em parceria com o escritor e jornalista Gilvan Ribeiro, justamente foca nas aflições e no tortuoso caminho de uma recuperação para um dependente químico. Caso de “Casão”, como ele é conhecido, que usou drogas (álcool, maconha, cocaína, heroína) em 37 dos seus 57 anos. Teve quatro overdoses, surtos diversos, visões demoníacas, depressão e o rompimento de elos familiares. Só não morreu, segundo ele, porque Jesus Cristo estava a seu lado. Na conversa com nossa reportagem, ele fala sobre a origem de sua dependência, a volta do futebol na pandemia, fé, religião, Baby do Brasil e democracia. Esse é o terceiro livro dedicado à sua biografia. O que ele tem de diferente dos outros dois? Ele é uma continuidade do primeiro, Casagrande e seus Demônios, em que contei a parte mais dramática de minha história: o envolvimento com drogas, o fundo do poço, o acidente, a internação, ficar seis meses isolado. Em 2007, fui internado e, em outubro de 2008, tive alta. E o livro acaba aí. Só que a sociedade tem pouco conhecimento sobre o que é a dependência química, se é uma doença ou não. Muitos acham que não é. Também não se sabe como é a internação e o tratamento. E acham que quando o cara fica internado um ano e tem alta, acabou o problema dele. Mas é ao contrário: quando você tem alta é que entra a parte mais difícil. Começa a ter contato com as coisas, mudar o comportamento, o estilo de vida e começa a entender melhor como é o prazer da vida. Sempre tive acompanhantes terapêuticos, que são as minhas psicólogas. Inicialmente, sempre saía com elas, no teatro, cinema, shows, jantar, tomar café, sempre protegido por elas. Com o passar do tempo, fui evoluindo, sem precisar mais da psicóloga. Fazia terapia em grupo aqui em São Paulo. Eu conto nesse livro como foi essa parte. O quanto é importante para você se abrir dessa maneira, seja no livro ou nas palestras? Meu tratamento é terapia em grupo, é uma comunidade terapêutica. Me tratei e me trato falando do meu problema e ouvindo sobre o problema dos outros. Quanto mais você fala do seu problema, quanto mais tem contato com esses sentimentos, ao relembrar aquelas histórias ruins que passou, você se fortalece muito mais. Entende que aquilo é passado, que aquela situação aterrorizante que você passava, não quer ter mais. Que não quer ter mais aquela vida. O importante de falar sempre é para não cair no esquecimento. É normal no ser humano, com o 6 | Cidade Nova | Agosto 2020