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Chave de Leitura | Vera Araújo* | [email protected] Você já tinha pensado nisso? Ser diálogo CULTURA Entre as marcas da sociedade contemporânea, contamos o pluralismo de ideias, valores, visões de mundo, muitas vezes expresso em concepções fragmentadas. Nos últimos tempos, isso provocou até uma polarização na sociedade — o que leva um sociólogo italiano a afirmar: “Nosso tempo chegou a uma encruzilhada: ou dialogamos ou pereceremos”. Há convergência sobre a urgência do diálogo, mas como fazê-lo? Propomos, assim, uma reflexão sempre necessária sobre o tema O TÍTULO DESTE ARTIGO É “Ser diálogo”. E por que não “Fazer diálogo”, “Construir diálogo”? Um primeiro ponto de reflexão que desejo oferecer é justamente que, antes de fazer diálogo, é preciso ser diálogo, pois o diálogo não é algo fora de nós, a ser construído, mas está na própria estrutura do ser humano. Sabemos que o ser humano é racional, possui inteligência, vontade, capacidade de avaliação. Sabemos também que ele é um ser relacional, ou seja, é capaz de se relacionar com os outros. Isso significa ser pessoa, não mero indivíduo – cada ser vivo é um ser individual, mas só os seres humanos são pessoas. E o são por serem reconhecidos pelos outros na relação que têm entre si. A primeira experiência que faço é a relação comigo mesmo, quando me pergunto: “Quem sou eu?”. A resposta a essa pergunta é a minha identidade. Outra experiência que faço é que 36 | Cidade Nova | Agosto 2019 me relaciono com outras pessoas, com alguém fora, diferente de mim. Para tanto, utilizo outra capacidade, que é a comunicação: sou capaz de comunicar. Faço ainda uma terceira experiência: estar aberto não só às pessoas que conheço, que encontro, mas também a todas as outras, a toda a humanidade. Faço isso por meio da participação. Assim, temos: identidade, comunicação e participação. Isso significa ser pessoa e quer dizer já estar em diálogo. Cada pessoa, para crescer, desenvolver-se, amadurecer (seja da juventude para a idade adulta, seja na idade adulta para continuar a crescer e amadurecer), tem necessidade de exercitar essa capacidade de diálogo e de comunicação. Do contrário, é como um fruto que nunca chega a amadurecer completamente. Portanto, o diálogo já está dentro de nós e se manifesta no encontro com o outro, na alteridade com o diferente. Martin Buber afirma que nosso eu autêntico só se constitui na relação com o outro. Toda a realidade humana é relacional, e o sinônimo disso é que toda a realidade humana é dialogal: devemos ser diálogo. Assim, dialogamos porque já somos diálogo, porque temos uma estrutura que dialoga. Eu sou dado a mim mesmo pelos outros, e isso me dá a possibilidade e a capacidade de viver voltado aos outros, de receber e ao mesmo tempo de doar. Chegamos então a uma consequência real, concreta, lógica: o que está envolvido no diálogo? Como se dialoga? Hoje, a palavra “diálogo” está na boca de todos; fala-se em diálogo em todos os níveis. Vivemos em uma situação social que requer o diálogo. Não são muitos, porém, os que sabem dialogar. O primeiro ponto fundamental, então, é como se dialoga. Quem dialoga envolve toda a sua pessoa, completamente. Não são meus pensamentos, meus raciocínios, minhas convicções, minhas ideias que entram em diálogo. Sou eu, por completo, pois todo diálogo é, antes de tudo, um encontro pessoal: são duas pessoas, e não duas ideias, que se encontram e dialogam. Isso é fundamental e também é isso que torna o diálogo tão difícil. Não se trata de uma simples conversa, discussão, debate, mesa redonda… Trata-se de um encontro profundo entre interlocutores diferentes, que se manifesta também na conversa, na expressão das