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Internacional | Gustavo Monteiro | [email protected] Uma família global Eu, migrante VENEZUELA A resiliência e a esperança na jornada dos venezuelanos que buscam refúgio no Brasil REFUGIADO. Adjetivo que Ramón Bucarito, de 54 anos, jamais imaginou que acompanharia o seu nome e o da sua família. Pelo menos não até vinte anos atrás, quando a Venezuela osten- tava o título de país mais rico da América Lati- na, polo de acolhida de pessoas que fugiam da pobreza em nações vizinhas. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), mais de três milhões de venezuelanos deixaram o país desde 2014. Desses, 2,4 milhões emigra- ram para países da América Latina. Entre os motivos estão desemprego, insegurança, escas- sez de comida, ausência de serviços de saúde ou medicamentos e inflação crescente. Ramón Bucarito, hoje refugiado, sentiu o coração partir quando a filha de cinco anos lhe perguntou: “Papai, você vai me deixar morrer de fome?”. “Muitas vezes, saía para trabalhar e ela ficava chorando. Quando ela me disse essas palavras, isso me quebrou. Foi aí que decidi vir ao Brasil”, conta. Quando a esposa perguntou o que faria, lembrando que o homem não co- nhecia ninguém no país, ele respondeu: “Não importa; eu vou, não aguento mais ver a Adda- ris chorando”. O plano era vir primeiro, conse- guir um trabalho e, então, trazer as duas. De El Tigre, cidade onde morava no norte do país, à capital de Roraima, foram 25 horas de ônibus. Chegando ao Brasil, o primeiro im- pacto veio pela língua. “Quando escutava as pessoas falarem, pensei: ‘Bueno, o que é isso? Onde eu me meti?’, não entendia absolutamen- te nada”, lembra com bom humor Ramón. “A Addaris ficou 15 dias doente, com saudade do pai. Mas quando ela escutou a voz dele em um áudio pelo WhatsApp, pronto, ficou boa! Foi o remédio”, conta Mairelin, de 26 anos. Português aprendido e amizades feitas, Ra- món conseguiu, por meio de um amigo, o em- prego de segurança em uma empresa. E se o 30 | Cidade Nova | Março 2019 plano parecia correr bem, quando entrou pela segunda vez no Brasil, dessa vez com Mairelin e a filha, a realidade que encontrou foi outra. “Aí sim passamos dificuldades. Fazia alguns bicos, mas não conseguia emprego fixo. Tive- mos que dormir por três meses na praça, em papelões. Ali só conseguíamos a janta através de doação da igreja. Quando chovia, às duas da manhã, por exemplo, tinha que correr com a Addaris dentro da camisa até um local coberto, para que ela não se molhasse.” Com muito esforço e juntando o máximo de economias que puderam, voltaram à Vene- zuela com remédios e mantimentos para os outros familiares. O dinheiro, porém, não foi muito além da fronteira. “Com a inflação, fi- cou tudo muito caro. Com o salário de um mês, por exemplo, as pessoas só conseguem comprar dois quilos de arroz. A população sobrevive com muito ­pouco”, conta Ramón. “Ver os familiares magros e o país ainda mais pobre foi triste.” De volta ao Brasil pela terceira vez, Ramón e a família conseguiram abrigo em um refúgio coletivo, onde permaneceram por oito meses. Ali, a Cáritas Brasileira selecionou 25 pes­soas que foram acolhidas pela arquidiocese de Ara- caju, onde hoje trabalha como caseiro do se- minário menor. Evangélico, o casal de sorriso fácil é só elogios para a nova oportunidade. “Aracaju nos abriu as portas para recomeçar a vida! Em todo lugar nos tratam como família. Já encontramos uma igreja batista onde vamos, mas também frequentamos as missas de vez em quando por aqui. Temos um Deus só”, diz Ramón, com convicção. FORÇA, CORAGEM E CAPACIDADE DE RESISTIR Para o casal Reinerys Oriana Nuñez Tamoy, de 20 anos, e Angel Amilka Hernandez Figueroa,