Internacional | Daniel Fassa | [email protected]
Uma família global
Conflito separatista coloca
em cheque estabilidade precária
da República dos Camarões
SECESSÃO Desigualdades entre a minoria anglófona e a maioria
francófona geram convulsão social e evidenciam as sequelas
de um passado neocolonial arbitrário
REPÚBLICA DOS CAMARÕES, fevereiro de
2018: quando soube que suas companheiras
missionárias foram sequestradas pelos rebeldes,
François (nome fictício), 54, ficou sem chão. Até
que ponto chegaria a escalada de violência que
tomava de assalto o vilarejo em que viviam? Na
experiência pessoal desse marceneiro camaro-
nês que decidiu dedicar toda a sua vida a mis-
sões religiosas e sociais, as diferenças entre a
população francófona (majoritária) e anglófona
(minoritária) de seu país nunca foram empeci-
lho para uma convivência pacífica. Mas aquele
acontecimento parecia atestar o contrário.
“A intenção dos sequestradores era deses-
tabilizar a escola [mantida pelos missionários
no local], porque sabiam que, se ela fosse fe-
chada, as outras também fechariam, de modo
a atingir o governo. Havia militares que faziam
a vigilância ali. Como não os encontraram, os
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Cidade Nova | Maio 2018
rebeldes decidiram levar nossas irmãs para a
floresta”, lembra François.
“Mas enquanto elas estavam presas, os se-
questradores disseram: não se preocupem,
pois não as machucaremos. Sabemos que vo-
cês fazem somente o bem. Estamos fazendo
isso para intimidar a opinião pública, para que
saibam que estamos lutando por uma coisa sé-
ria”, conta François, reproduzindo o relato das
sequestradas. “Durante a noite, elas pediram
autorização para rezar. Os sequestradores au-
torizaram e um deles chegou a tirar a máscara
e o chapéu que utilizava para rezar junto. No
dia seguinte, elas foram levadas de volta para
casa”, afirma o missionário.
Apesar do tratamento “respeitoso”, François
condena a ação dos sequestradores, pois acre-
dita que o diálogo é a única solução para o con-
flito que há mais de um ano castiga o seu país.