Cidade Nova 597885aad76e2411873073pdf

protagonistas ana carolina wolfe [email protected] Eles escolheram fazer a diferença À frente das grades INCLUSÃO Em Olinda, Pastoral Carcerária presta assistência a famílias de detentos há 20 anos; voluntárias enfrentam preconceito até mesmo dentro de casa, mas não deixam de prestar auxílio E m 1997, a Campanha da Fra- ternidade chamava a aten- ção para os encarcerados e para a situação em que viviam no Brasil. Naquele ano, se- gundo o texto-base, a população prisional do país era de quase 130 mil presos, 95% pertencentes às ca- madas mais pobres. Nesse contexto de luta por direitos humanos em presídios nasceu a Pastoral Carce- rária na Paróquia Nossa Senhora de Fátima, em Olinda (PE). O pequeno grupo dessa Pastoral começou a visitar presídios e se de- parou, naquele momento, com uma situação dramática: pessoas pobres, sem instrução e rotuladas de “mu- lher de bandido”. Desde então, esse grupo decidiu, em vez de focar o trabalho em visitas a penitenciárias, convidar aquelas mulheres para um encontro na paróquia e dar apoio às suas famílias. Encontravam-se duas vezes por mês e, aos poucos, o grupo cresceu. Nas reuniões, após a leitura­ do Evangelho, as mulhe- res recebiam­ orientações sobre os processos judiciais de seus maridos e apoio educacional aos filhos. A pastoral também fazia visitas domi- ciliares, dava apoio financeiro para cursos e oferecia cestas básicas. Fátima Sena integra o grupo de apoio às mulheres desde o segundo ano de atividade. Ela lembra que, no começo, o trabalho não era sis- tematizado e organizado; por isso, há poucos registros das primeiras 26 Cidade Nova • Agosto 2017 • nº 8 reuniões. Quando a pastoral com- pletou dez anos, Fátima assumiu a coordenação. Naquele período, o número de famílias e crianças as- sistidas dobrou. Hoje, elas se reú­ nem semanalmente na paróquia para acompanhar 35 famílias e 25 crianças. Com o grande número de crianças, surgiu também a necessi- dade de um grupo para se dedicar exclusivamente a elas, brincando e promovendo reforço escolar. Ape- sar do suporte oferecido, o número de mulheres varia bastante de uma reunião para outra, porque, quan- do os maridos saem da prisão, elas acabam se afastando. “Somente al- gumas permanecem conosco e fi- camos contentes quando elas não querem sair da pastoral, pois cria- mos um elo”, conta Fátima. Preconceito A coordenadora da pastoral res- salta que o trabalho é complexo e exige perseverança, já que ainda há muito preconceito com relação aos familiares dos presos. “Há tantos crimes bárbaros de que ficamos sa- bendo e essa é a primeira coisa que as pessoas se lembram. Elas dizem: ‘Eles matam, fazem de tudo e vocês ainda os defendem?!’. Na verdade, nós não os defendemos, só apoia- mos a família deles, que fica total- mente desprotegida. Se com eles é ruim, sem eles é pior ainda, porque as mulheres não podem trabalhar por conta da quantidade de filhos, e são os homens que acabam le- vando o alimento para dentro de casa”, explica. Mesmo na própria família, Fáti- ma encontra resistência com relação à assistência prestada. A situação se repete com as outras voluntárias da pastoral. Para ela, o preconceito só será vencido com o tempo e com muito esclarecimento. O preconceito também atrapa- lha na hora de angariar voluntários para o trabalho da pastoral. Fátima diz que está há dez anos na coorde- nação porque não há quem assuma a função. Para ela, deveria haver maior renovação, mas poucos se vo- luntariam ao trabalho. “A equipe da pastoral é toda formada por pessoas idosas. Ultimamente, por exemplo, não temos conseguido visitar casas de famílias de encarcerados por di- ficuldades financeiras e de infraes- trutura”, destaca. Outro grande entrave que acom- panha a pastoral nesses 20 anos é a falta de perspectiva das mulheres­ dos encarcerados. “A pobreza de formação humana delas é algo mui- to assustador, como se elas não vis- sem nada na frente a não ser essa vida que levam, uma vida miserá- vel”, destaca. Ela conta ainda que as mulheres, a maioria jovens na faixa dos 20 anos, têm baixa escolaridade e, exatamente por isso, encontram poucas oportunidades de inserção no mercado de trabalho.