Cidade Nova 59569adc89497630805299pdf

chave de leitura brendan leahy [email protected] Você já tinha pensado nisso? O Papa contra a polarização DIÁLOGO Francisco pede atitude de escuta e uma Igreja sinodal para combater a cultura da violência e da hostilidade H á alguns meses, em sua homilia no consistório ordinário para a criação de novos cardeais, papa Francisco, ao comentar nossa época, “caracteriza- da por fortes problemas e interrogações em es- cala mundial”, observou que “atravessamos um tempo em que ressurgem epidemicamente, em nossas sociedades, a polarização e a exclusão como único meio possível para resolver os conflitos”. Notou quão rápido tachamos quem está ao nosso lado como “inimigo” simplesmente por vir de uma terra distante ou ter outros costumes: “inimigo pela cor de sua pele, pela sua língua ou sua condição so- cial, inimigo por pensar de modo diferente e também por possuir outra fé. Inimigo por…”. Abrindo nossos olhos do coração, papa Francisco mostra quão facilmente essa lógi- ca ocupa nosso modo de viver, agir e proceder: “Aos pou- cos, as diferenças transformam-se em sintomas de hostili- dade, ameaça e violência. Quantas feridas são ampliadas por causa dessa epidemia de inimizade”. Pois bem, antes de se sentirem “imunes” a essa epide- mia, também as pessoas de Igreja devem reconhecer que a lógica da polarização é uma tentação perene para o Povo de Deus, para nossas comunidades, para os presbíteros, para as reuniões. Papa Francisco afirma isso abertamen- te: “O vírus da polarização e da inimizade permeia nossos modos de pensar, sentir e agir. Não somos imunes a isso e precisamos estar atentos para que essa atitude não tome conta de nosso coração, pois seria contra a riqueza e a uni- versalidade da Igreja”. Como indica a narração bíblica da Criação, fomos cria- dos como uma dádiva uns para os outros. Nossa diversidade é justamente uma dádiva mútua para que entre nós reine a unidade criativa desejada por Deus. Sabemos disso na teo­ria. Nas relações humanas, porém, tanto em nível macro quanto micro, é fácil demais derrapar para atitudes de opo- sição e polarização: “ele é liberal!”; “ela é conservadora!”… Claro, todos podemos apresentar razões e justificativas – estamos do lado da verdade, vivemos pelo bem comum, 36 Cidade Nova • Julho 2017 • nº 7 queremos apenas esclarecer as coisas… Mas, por trás dis- so, há sempre o perigo de uma incurvatio (um fechamento em si mesmo), para usar um termo caro ao Reformador, Lu- tero, que nos leva a considerar somente o nosso ponto de vista e a querer que o outro se converta à nossa convicção. No fundo, acontece facilmente que, não respeitando “o outro”, nós o anulamos de várias maneiras, talvez median- te a intriga, a crítica pública ou a difamação. Paulo fala em “morder e devorar” entre os membros da comunidade da Galácia (cf. Gl 5,13-15), uma realidade que, nas palavras de Bento 16, existe até hoje também na Igreja. Com o papa Francisco, a meu ver, o Espírito está indican- do um passo além que nos interpela a todos juntos: visar a um estilo e a uma prática de discernimento comunitários, atuando assim a sinodalidade que caracteriza a própria identidade da Igreja. Sabemos: o Povo de Deus é um povo em caminho “até chegarmos, todos juntos, à unidade na fé e no conhecimento do Filho de Deus, ao estado de adultos, à estatura de Cristo em sua plenitude” (Ef 4,13). Crescer nos percursos de sinodalidade, no discernimento da vontade de Deus, é um passo para maior maturidade eclesial. Vivemos “não uma época de mudanças, mas uma mudança de época”. Essa conhecida afirmação do papa Francisco também está ligada a uma corrente de pensa- mento da América do Sul que busca superar a polarização entre direita e esquerda a fim de descobrir a identidade verdadeira num espaço para além das chagas históricas. Olhando para a Igreja, podemos afirmar que a época nova consiste em “entrar”, juntos e com nossas diversidades, de modo novo no evento de Cristo para nos deixarmos rege- nerar por ele com a sua “mente”. Trata-se de voltar nossa atenção à unidade em Cristo, pois, “de fato, ele é a nossa paz: de dois povos fez um só povo, em sua carne derruban- do o muro da inimizade que nos separava” (Ef 2,14). Visto que a Igreja é semper reformanda, é sempre neces- sária a coragem de nos ajudarmos a viver a guinada ecle- sial da época nova… No passado, falar de discernimento